“Ah, que satisfação. Hoje, o meu pequenino completa os treze aninhos. Gastei um pouco das minhas economias para comprar-lhe um presente. Só quero vê-lo feliz. Já é detestável o suficiente para uma criança ter que comemorar o próprio aniversário escondida.
Presenteei-o com o livro que ele tanto pedia. Ele amou, como eu imaginava. Achei adorável. Aproveitei para indicar, ler e assistir coisas com ele — certificar-me de que hoje seria o melhor dia para ele, um motivo para viver. Não quero que ele acabe igual a mim, ranzinza e depressivo. Vejo nele uma esperança, uma que não tive. Me sinto como o encarregado de manter essa esperança viva. Talvez por isso não tenha cometido o suicídio até agora.
Obviamente, mamãe me ajudou muito, distraindo meu progenitor o máximo possível, até que eu pudesse fazer o que quisesse com ele. Assistimos a alguns vídeos e filmes e conversamos sobre sexualidade — é um tópico em que ele tem se envolvido recentemente. Não o julgo, fiz o mesmo em sua idade. E tudo o que queria na idade dele era alguém para me explicar e me acolher nos momentos mais frios e vazios da desesperança, nos cumes da tristeza e da melancolia. É isso que estou fazendo.
Apenas quero que ele fique bem, e somente bem. Amei muito esse dia, pois pude me dedicar a isso. E isso é o que eu mais quero na minha vida — além, é claro, de Eduardo, mas dele não quero comentar, estou quase desistindo de tê-lo.
Fora essa maravilhosa comemoração, tive problemas com meu progenitor. É um homem nojento e detestável, que vasculhou indefinidamente a minha cama. Estou assustado: ele podia ter achado o meu diário! Ai de mim se ele acha o meu diário! Terei de escrever em grego antigo, como fiz com Eduardo? Não quero, não gosto. Eu sou Oscar Andrade, não Homero ou Hesíodo! Quero me livrar das amarras da literatura clássica. Ela é bela, um refúgio, mas sinto que tem feito mais mal do que bem comigo. Isso porque nem comecei a falar dos realistas. Acho que vou ter que acabar lendo Jordan Peterson para não ficar mais moribundo (Deus me livre)!
Bom, estou bem-humorado, como pode-se perceber, mas não é por muito tempo. Essa é a última anotação que faço aqui. Com muita dor e dó, hei de queimar esse caderno. Sinto muito, Oscar do presente, do passado, e do futuro, mas não há outra opção. Esse caderninho me ajudou tanto, mas agora há de ir. E todas as memórias que estão nele também. Hei de relê-las, me despedir delas, me lembrar dos poucos momentos bons que tive para enfim erguer a cabeça e pensar no futuro. Acho que estou lentamente me tornando otimista.Ah, merda. Quem eu estou querendo enganar? Isso é uma farsa. Eu não estou me sentindo otimista ou bem, nem de longe. Estou acordado aqui, às 4h, infeliz e sozinho. Acabo de me mutilar, mesmo depois de um dia tão maravilhoso. Tive um ataque de pânico, falta de ar, mas ninguém estava disponível, e ai de mim se eu fizesse barulhos o suficiente para acordar meu progenitor. Não estou otimista, estou disfarçado. Odeio estar disfarçado, talvez seja pior que o pessimismo.
Estou me sentindo um pouco melhor, depois de ter desabafado. Eu só espero me sentir melhor, e aliviar essa dor de cabeça logo. Deve ser sono. Boa noite, e até nunca mais. Verei-te no fogo do Inferno, quando eu for para lá.”
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A Modos
RomanceOscar Andrade é um jovem poeta, maltratado pela vida. Eduardo Carvalho é um aspirante a músico, introspectivo aos excessos. Quando ambos se conhecem, um laço se forma entre os dois, que se estende aos seus amigos. Capa por Ester Araujo. Novos capítu...