Má reputação - Vance Hopper

Capitulo 2

Vance - Março de 1977

Eu conhecia Carmilla desde os meus 5 anos, ela tinha só 4 anos quando um menino da escolinha quebrou a sua boneca favorita, estávamos no parquinho, ela tinha os cabelos curtos de um estilo channel, também usava um macacão rosa, mas fico um pouco irritado de pensar que consegui guardar até mesmo a roupa que ela usava.

O menino pegou uma de suas bonecas, ela tinha levado e havia comentado com uma menina que era de sua irmã mais velha, Lenore, depois de conhecer a família Hidalgo, eu percebi que Lenore era bem preocupada com os seus bens materiais, pelo menos com algumas coisas ela tinha um sentimento de nostalgia. Então o garoto foi e pegou da mão dela quebrando a cabeça da boneca.

Carmilla começou a chorar, a boneca tinha o cabelo escuro, os olhos eram meio verdes, meio castanhos, aposto que se eu perguntar o porque Lenore gostava da boneca a resposta iria ser algo como um "Ela se via na boneca". Enquanto ela chorava, eu fui até o menino e acabei batendo bastante nele, meus pais foram chamados e levei a maior surra quando cheguei em casa.

Aquilo só parou porque o meu irmão Nicholas interviu.

Eu tinha vergonha de demonstrar gostar do meu irmão, mas ele era o mais próximo de mãe e pai que eu tive, Nicholas sempre ia nas minhas apresentações, sempre ganhava os presentes, mas agora que eu cresci odiava isso.

─Achei que ia estar jogando pinball─ O meu irmão comenta enquanto afinava o seu baixo, ele tinha um dom musical e eu era bom com jogos, Nicholas parou o que fazia e me olhou, ele vestia a camiseta preta e a calça jeans, o cabelo era ondulado, como o meu, mas o dele não tinha uma definição, os olhos dele eram verdes, diferentes do meu.

Ele era bem magro, enquanto eu tinha mais músculos.

Ele sabia controlar o seu temperamento e eu não.

Ele admitia que gostava da Lenore, nem fudendo eu iria admitir que gostava da Carmilla.

─Eu ia, mas preciso ir na locadora─ Digo me encostando no batente da porta, Nicholas franze a sobrancelha, mas abre um sorriso. ─O que foi?─

─Vai assistir Carmilla?─

─Carmilla não tem filme─ Respondo sentindo meu rosto esquentar, ouço a risada dele e reviro os olhos, só não socava ele porque gostava muito dele. O mesmo se afasta um pouco e me deixa sentar do seu lado. ─Tem?─

─Tem─ Ele diz rindo e deixando o baixo de lado, passando a mão pelo meu cabelo, eu odiava afeto, odiava aquilo, mas o meu irmão fazia e eu me sentia bem, ou quando Carmilla esquecia e também fazia alguma demonstração. Ao contrário de quando nossa mãe fazia isso, sempre vinha uma surra depois, ou um tapa e o beijo dela dizendo que eu apenas a enlouquecia, mas quando era deles, vinha realmente carinho. ─Mas porque precisa ir na locadora agora?─

─Chamei a Carmilla para ver um filme de terror, um de verdade, não essas bobagens que ela gosta, Drácula? Romeu e Julieta? Não, ela vai assistir O exorcista comigo─ Digo apontando para o chão do quarto, Nicholas inclina a cabeça para o lado.

─Romeu e Julieta não é terror─

─Deveria, já viu aquele romance? É horroroso─ Respondo batendo na mão do meu irmão quando ele tenta de novo fazer carinho, Nicholas solta um "ai" baixo.

─E veio me avisar que ia na locadora?─ Ele pergunta sorrindo, aceno com a cabeça e me levanto. ─Cuidado com o papai, ele acabou bebendo demais─

Saio de perto do meu irmão e desço as escadas, meu pai tenta falar alguma coisa, mas apenas ignoro, não estava afim de receber uma bronca por qualquer merda errada que ele tenha feito, passo pela casa de Carmilla, a luz do seu quarto estava acesa e sua mãe, Catrina estava na porta.

─Vance, oi─ Ela diz quando me nota, fico parado ali, enquanto o pai de Carmilla, Felipe estava tirando algumas compras do carro. ─Carmilla me disse que vai para a sua casa assistir alguma coisa, vocês vão precisar de algo?─

─Não─

─Não? Hum... Quando você era criança adorava o pão que eu fazia, vou pedir para ela levar um pouco─ Catrina diz abrindo um sorriso, desvio o olhar e aceno de novo com a cabeça, voltando a andar, a locadora ficava a alguns quarteirões depois, então entro e pego O exorcista, mas vejo a capa de Carmilla, a Vampira de Karnstein, então também pego.

-X-

A primeira surra sempre é a que mais dói.

A segunda não dói muito.

Nicholas segurou Carmilla e cobriu o rosto dela para que não visse o meu pai me descendo o cacete, só porque eu chamei ela para vir à minha casa e não comuniquei um responsável. Na verdade eu fiz isso, eu falei com Nicholas, me virei e empurrei o meu pai.

Ele tinha o cabelo loiro, os olhos azuis e a pele branca.

Eu odiava saber que nossa aparência era parecida.

─Pai... Para─ Nicholas fala ainda segurando Carmilla.

Aquilo foi a coisa mais vergonhosa da minha vida.

A garota que eu gostava havia acabado de presenciar uma surra e eu não podia revidar, porque se não ia ser bem pior, era diferente lutar com os meninos da minha idade que implicam comigo, ou que ofendem a Carmilla. Ele era meu pai e não era como o pai dela, carinhoso, amoroso, algo que normalmente os pais eram com seus filho.

Me afastei aos poucos do meu pai e senti a mesma vindo até mim, meu pai desviou o olhar e viu a Carmilla ali, então abriu um sorriso falso e juntou as mãos, que estava segurando o cinto que usou para me bater.

─Bom, desculpe Carmilla, ele não avisou ninguém que você viria─

─Ele avisou a mim pai─ Nicholas diz se aproximando e me puxando, segurei a mão de Carmilla e subimos nós três para o meu quarto, ela sentou do meu lado, com os ombros meio curvados e acariciou minha mão com delicadeza.

Eu adorava os carinhos dela.

Nicholas foi ao banheiro e voltou com o kit de curativos, se sentou do meu lado e começou a passar nos machucados com cuidado, eu queria gritar, bater em algo, quebrar meu pai, fazer qualquer coisa, mas senti a mão de Carmilla apertar a minha, desviei os olhos do meu irmão.

─Eu volto em outra hora, vamos ter o tempo do mundo para assistir─

─Não, a gente vai assistir aqui, depois ele vai dormir─ Digo reclamando quando sinto Nicholas passando a gaze na minha boca. ─Cuidado porra─

─Cuidado você, olha Milla─ Nicholas para de fazer o curativo e olha a mais nova. ─Você pode ficar aqui com ele enquanto esperam o nosso pai dormir, mil desculpas por ter presenciado essa cena...─

─Não, está tudo bem... Quer dizer, ninguém gosta de ver a amiga vendo você levar uma surra...─

─Você não é minha amiga─ Digo olhando a mesma, percebi que os olhos dela ficaram um pouco confusos, depois ela piscou diversas vezes.

Òtimo, magoei a garota que eu gostava. 

E ainda de "graça".

─Então, acho melhor eu ir, minha mãe disse que precisaria da minha ajuda para as coisas de amanhã─ Carmilla diz se levantando e limpando as lágrimas que começaram a descer, tentei levantar para ir atrás dela, mas Nicholas me impediu.

─Você só vai falar com ela de novo quando ficar calmo... Não é sua amiga? Você é idiota, porra?!─

Eu era. 

Eu era um imbecil.