Capítulo 3

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Carmilla -  Janeiro de 1978


Ajudei Nicholas a colocar um dos panfletos, ele apenas me deu um sorriso vazio, era assim que ele vivia desde o desaparecimento de Vance, na verdade ele não vivia mais, foi mandado embora do emprego, o que deixou um gasto enorme na família dele, mas sempre que ele falava com a minha mãe dizia "Eu só quero achar meu irmão".

Todos os dias eu chorava. 

Não cozinhava mais, não queria fazer nada.

Tínhamos combinado de ir tomar o sorvete naquela semana que ele desapareceu, ia ser um dos nossos muitos encontros, eu ainda queria encontrá-lo vivo, mas acho que isso não seria possível, não agora que Bruce Yamada foi raptado.

Eu sempre me perguntava que tipo de monstro sequestra garotos jovens, que tinham tanta coisa para viver, com família que os amava, com amigos que gostavam e acima de tudo, com namoradas ou namorados que queriam ter a vida inteira com essa pessoa, eu só tinha 15 anos, era melancólico demais imaginar isso.

Só que eu vivi a minha vida gostando de Vance e imaginar crescer sem a presença dele era tão estranho que minha mente sempre derretia.

Não parecia se encaixar.

A polícia nunca divulgava direito os dados, o que deixava Nicholas louco, ele quase foi detido por brigar com um dos detetives que estava no caso, desviei o olhar do mais velho e olhei para o panfleto, Vance estava ali, parecia uma imagem de cadeia e isso me fez quase gargalhar, os cachinhos estavam ali, o colete jeans que usava sempre, a blusa branca, as sobrancelhas castanhas.

Ele tinha sumido e sabe-se lá quando ia voltar.

─Você sabia que ele odiava quando eu bagunçava o cabelo dele?─ Nicholas pergunta olhando o panfleto, desvio o olhar de novo e o olho. ─É, ele odiava, naquele dia que vocês iam assistir O exorcista, ele deu um tapa tão forte...─

─Acho que aquele cabelo era sagrado, mesmo que ele não queira admitir─ Digo sorrindo um pouco e olho o panfleto de novo, do lado havia um de Griffin, que sumiu antes de Vance, respiro fundo, ele tinha 10 anos quando foi raptado e me quebrava o coração.

Muitas vezes dizem que somos jovens demais para saber de muitas coisas.

Mas acho que são nesses momentos que descobrimos, eu sabia razoavelmente o sentimento de perda, parentes distantes morriam, você lida com uma forma de luto, mas quando é ali na sua frente, o luto fica diferente.

─O cabelo continua sendo algo sagrado para ele, não perca as esperanças Carmilla, você me faz continuar com ela─ Nicholas diz se afastando e abaixando, pegando o pacote com os panfletos, havíamos colocado vários na primeira semana, diziam que as primeiras horas sempre eram as mais importantes.

Porém os pais de Vance mal se importaram, pareciam mesmo até ter dado graças a deus que ele havia sumido, aquilo sempre deixava Nicholas mal. Continuamos seguindo em frente, mas quando olhei para trás, vi um garoto arrancando o panfleto de Bruce Yamada.


-X-


Tirei uma caixinha do guarda-roupa, onde eu guardava todas as coisas que haviam feito para mim, bilhetinhos, cartinhas, desenhos, tudo. Porém eu deixava em um saquinho transparente especial alguns dos bilhetes que eu recebi quando Vance me magoou, era estranho pensar nisso agora.

Foi no dia que eu vi seu pai batendo nele, parece que ele não havia avisado nenhum dos dois sobre a minha visita -Apenas a Nicholas-, mas o seu pai não gostou muito da história e bateu nele, a única coisa que poderia dar para ouvir era o barulho de cinto e a força que ele conseguia entrar em contato costas dele. 

Vance não chorou em nenhum momento.

Ele não chorava.

Ele não implorava.

Então foi estranho ver o pai dele ali batendo nele, Nicholas havia ido atender a campainha e quando olhou o irmão mais novo, acabou levando um susto, ele me puxou, para que eu não visse mais do que o suficiente, só que a sensação foi toda estranha.

Meu pai não me batia, minha mãe às vezes ficava irritada e dava uma ameaçada, uma vez ela bateu em Lenore, mas aquilo nunca mais aconteceu, só que ver Vance apanhando daquela forma... Era diferente do que ver ele se metendo em briga na escola.

Mas ficou irritado e disse que eu não era a sua amiga, demorou uma semana para eu falar com Vance de novo.

Má reputação - Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora