Guisado

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- Se eu não ligo você esquece da minha existência.

- Desculpa mãe, a senhora sabe como é minha correria no dia a dia. – Jogo meu casaco de qualquer jeito em cima da cama, sentando-me logo em seguida, retirando o salto. Massageio meus pés doloridos por mais um dia de trabalho. – Como a senhora está? Iria ligar hoje mesmo, fiquei observando a empresa e pensei como um toque de cor seria ótimo por lá.

- Ah com certeza! Aquele bando de homens engravatados andando de um lado para o outro, com certeza um laranja faria um milagre! – Consigo imaginar seus olhos brilhando, imaginando a decoração mais colorida que o McDonald's. - E eu estou ótima, ficaria ainda melhor se você confirmasse logo a sua presença na festa da Nazar nesse final de semana. Sabe o quanto é importante para nossa família.

Minha mãe é o que chamamos de pessoa excêntrica, na realidade toda minha família materna se caracteriza dessa forma. Mamãe é uma cigana, lê tarot, linhas das mãos e, diz a lenda, que até seu futuro ela pode saber. Nunca acreditei muito, mas também nunca deixei de crer. Toda minha família é assim, papai foi o estrangeiro que entrou na família cigana e depois de muita briga ele finalmente conseguiu conquistar a todos.

Infelizmente papai morreu há cinco anos.

Eu nunca fui conectada a esse mundo, fui criada no meio dele, mas para mim sempre parece um tanto quanto defasado. Acreditar que meu futuro depende de um punhado de cartas e a boa vontade de quem as lê, me parece um tanto quanto loucura. Mas, também, não coloco minha mão no fogo.

- Mãe a correria no trabalho realmente está muito apertada. – Mordo o lábio inferior, me sentindo culpada por mentir. Realmente não quero ir a uma festa onde toda a população cigana da Inglaterra estará.

Saio do quarto escutando seu resmungo, afasto o telefone da orelha e o coloco no viva-voz. Ainda escutando seu falatório do quão importante é essa festa (algo a ver com o rito de passagem da filha de Nazar, seja ela quem for), verifico a bexiga de Robert e percebo que está cheia.

- Sabe filha sei que você é muito mais apegada ao mundo material, mas gostaria muito que viesse. Sinto sua falta. – Ajeito Robert na cadeirinha e sigo para fora, no corredor. Conforme andava sentia meu coração apertar.

- Eu também sinto sua falta mãe, a senhora sabe disso. Não há emprego no mundo que me faça esquecer o quanto eu te amo.

Chegando ao pequeno jardim percebo a presença da pequena Yorkshire correndo animada, Robert logo a encontra e os dois começam a brincar energéticos. Mais ao canto, encostado na mureta do prédio, estava Joseph fumando um cigarro, ainda com a roupa do trabalho, com exceção que retirou o blazer e agora permanece apenas com a camisa branca e a calça social preta. Respiro fundo e abro um sorriso pequeno em sua direção, educadamente ele retribui.

- Sabe que não deve negar suas origens Agnes Gilbert Collins! – Mamãe grita no viva voz, chamando a atenção de Joseph. – Sabe muito bem de onde você veio minha querida, precisa manter essa conexão. Nós somos uma família Agnes, estaremos sempre juntos, não me importa se a sua vida em Londres é mais chique e requintada.

- Acredite mãe, não é. – Falo observando a fachada do prédio desgastada. Percebo que Joseph se aproxima depois de apagar seu cigarro e, desesperadamente, tento desativar o viva voz.

- O que estou dizendo é que já confirmei a sua presença na festa... – Faz uma pausa quando percebe que não digo nada, por que estou lutando contra o touchscreen do meu celular que resolveu magicamente parar de funcionar. – Ouviu Agnes? Não me interessa se você vai trabalhar, mas sábado estará aqui para a passagem da Alba! – Sua voz era forte e autoritária. Desistindo de lutar contra a maldita tela e apenas acato a sua vontade.

Sobre a noite passada | Joseph Quinn | HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora