Eu quero você

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Joguei a quarta pedrinha em direção ao penhasco abaixo, podendo sentir o frio da madrugada se instalar sobre o meu corpo aos poucos. Meu carro estava estacionado logo atrás, meus olhos observava a cidade dormindo aos poucos, luzes se apagando, luzes se acendendo, mas nunca cem por cento descansada, estava parecido com a minha mente, a qual não queria descansar, e mau conseguia. Olhei novamente para o guardanapo amassado, o qual eu peguei na lanchonete, aonde eu matei o meu tempo de "festa'" até eles anunciarem que estavam fechando, me expulsando do estabelecimento quase que praticamente. Risquei a primeira frase que havia escrito no papel, recomeçando, logo riscando novamente, agradecendo sobre a luminosidade que os faróis do meu carro me proporcionava. Comecei novamente. 

"Gosto mais de você do que do meu videogame, Sana"

Escrevi, fiz um careta e risquei novamente, Sana me acharia uma criança de dez anos fazendo a sua primeira declaração de amor verdadeira. Não que ela já não me achasse uma criança pela as minhas atitudes, ela tinha o seu direito, eu sabia do meu erro, e estava tentando concertá-lo, começando isso no momento em que entrei no carro depois de avisar a minha presença na festa. Digitei um rápido "mudanças de planos, não vou", dirigindo sem rumo pela a cidade. 

Eu não precisava de festas, de álcool, sexo sem recordação. Eu precisava de Sana. E precisava assumir isso a mim mesma de uma vez por todas. 

"Gosto mais de você do que da sua comida, Sana"

- Ah, Chou Tzuyu, sério isso? Quantos anos você tem? - reclamei pra mim mesma, riscando a frase, batucando a caneta sobre as minhas pernas, não tendo mais ideia alguma sobre como dizer, como sobre demonstrar. De fora era tão fácil, pessoas demonstravam o seu amor com tanta facilidade, por que eu não conseguia fazer o mesmo? Por que eu não conseguia levar Sana para jantar e ser uma cavalheira como ela queria? 

Por que era tão complicado?

"Prefiro ter você do que uma bicicleta na qual eu saiba andar, Sana..."

Li a última frase, suspirei e achei aquilo uma grande besteira, amassando o papel e o enfiando no fundo do meu bolso, entrando no carro e decidindo voltar para casa, não havia mais fliperamas abertos pra gastar o meu tempo e muito menos livrarias nas quais me mantinham presa com os seus quadrinhos da Marvel. Mais nada tinha graça. 

Tudo estava escuro quando eu cheguei, denunciando apenas a luz azulada da TV ainda ligada e Sana, dormindo no sofá. Não me movi de imediato, deixando apenas que a observasse, me aproximando quando a distância me impediu de ver os seus detalhes, passeando a minha mão sutilmente para que ela não acordasse, podendo finalmente sentir o quente e o macio da sua pele. Mas então, tive uma ideia na qual, poderia me arrepender depois, e com certeza eu me arrependeria, porém, não contendo a necessidade de tê-la perto de mim novamente. 

Me afastei, indo em direção a entrada, baguncei os meus fios e amassei minhas roupas com as mãos, abrindo alguns botões da minha camisa, e depois de me avaliar no espelho e dar a nota oito de uma bêbada intermediária, fechei a porta novamente com um pouco mais de força, diminuindo as minhas pálpebras, fingindo que não estava enxergando direito, tropeçando propositalmente por meus pés, sentindo uma leve dor quando o meu corpo se colidiu com a parede, imitando alguém que não conseguia parar de pé, ainda tendo que ficar sobre o personagem quando eu a vi acordando, se sentando no sofá, me encarando. 

O seu suspiro foi alto, mais alto do que eu pensei, e em pouco tempo ela vinha ao meu encontro, passando o meu braço por seus ombros e contornando o seu por minha cintura, me guiando até o quarto. Aproveitei os raros segundos e deixei-me inalar o seu perfume, brevemente, antes dela me colocar sentada sobre o colchão. Retirando os meus tênis no começo.

- Minatozaki Sana, essa é a última vez que você ajuda essa... essa... essa idiota - ela murmurava para si mesma, com raiva, me fazendo querer rir, mas continuei sobre o meu teatro - Eu deveria te trancar dentro desse quarto, Chou Tzuyu - eu não respondi, ela me encarou - Uau, está calada hoje? Geralmente você fala até pelo os cotovelos.

Ok, então eu deveria falar. O que eu deveria falar? 

- Hora do seu banho, bebezona sem coração - falou, me levantando novamente, retirando a minha calça, me empurrando para debaixo do chuveiro, os meus olhos se arregalaram quando a água congelante tomou conta do meu corpo quente, criando um choque que quase fez com que o meu coração parasse de bater.

- Puta que me pariu! - falei de uma vez só, correndo para longe daquela água, encontrando Sana no meio do banheiro, lendo o pequeno guardanapo amassado, escondido no fundo da minha calça, mas rapidamente os seus olhos vieram para os meus, em julgamento. Os seus braços cruzaram e eu temi pela a minha vida.

- Você não está bêbada - Sana falou, em uma mistura de surpresa e raiva, eu reprimi os meus lábios, a encarei pedindo redenção - Você realmente é uma idiota.

- Ei, espera - pedi, alcançando uma toalha, me encolhendo o máximo por conta do frio, Sana bufou e virou em minha direção.

- Não bebeu o suficiente? - questionou irônica. 

- Eu não bebi. Eu... não fui a lugar algum, a nenhuma festa.

- Aham, assim como há um elefante azul com asas no meio da sala, Tzuyu. Acredito em você assim como acredito em dragões e no lobo mau.

- Não estou pedindo que acredite... - sussurrei pra mim mesma - Eu estou dizendo a verdade... eu juro...

- Ótimo, então você sabe aonde é a sua cama, pode se virar - Sana respondeu, se virando, indo em direção a porta.

- Sana... por favor deixe-me conversar com você...

- Qual é a sua, Tzuyu? Você se arrepende das merdas que faz e depois vem se redimir como uma cadela no cio. Por que você não vai atrás da puta que você comeu todas as vezes que fugiu dos seus sentimentos por mim? Ela pode aliviar a sua necessidade. 

- Eu não quero ela, eu quero você - falei, de uma vez, como se falasse o palavrão mais feio perto de um adulto, com os olhos fechados, igual como se decorasse uma fala difícil, era uma fala difícil. Pra mim era - Eu quero você, Sana... 

- Tarde demais, Tzuyu.

- Por favor... - pedi mais uma vez, segurando a sua mão, Sana olhou o movimento, não se afastando de mim - Apenas diga... que me quer também... apenas me dê essa certeza... por favor...

Os seus olhos se abaixaram, meu coração acelerou em esperança, em finalmente poder fazer as coisas certas, em finalmente poder ser uma cavalheira para ela, nada de cafés na cama, nada de bolos simples. Eu deveria levá-la para jantar em restaurantes, em passeios, em coisas como aquele "cara" queria fazer, assim como ela o achava fofo, poderia me achar também. Assim como ela o achava cavalheiro, ela poderia me achar também. Ela só... precisava me dizer, eu só precisava saber mais uma vez...

- Isso não faz parte do seu plano, Chou Tzuyu. O siga. Boa noite.

Ela disse, saindo do meu quarto, me deixando parada com a esperança que pode morrer de uma vez só em meu peito, deixando com que os meus olhos se enchessem de lágrimas pela segunda vez no dia, e mesmo que eu quisesse contê-las, foi um pouco mais difícil dessa vez. Sana não me queria. Eu fiz com que Sana não me quisesse, e tudo culpa da minha grande confusão, tudo culpa do meu medo de sentir. Eu não havia sido ensinada a sentir o amor, eu mau o conhecia e quando o conheci, deixei que os espinhos dos meus ensinamentos passados, pudesse machucá-la. Eu havia a machucado com a minha confusão.

Com o meu medo. 

My dear wife - SatzuOnde histórias criam vida. Descubra agora