Medo e proteção

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Meus olhos estavam fechados, não dormindo, ainda sim absorvendo toda a movimentação ao meu redor, sentindo o duro e o incomodo da parede contra a parte de trás da minha cabeça, meus dedos procuravam por amparo o tempo todo, passando pela a minha calça, inquietos contra os botões da minha camisa, tremendo a cada segundo, mesmo sabendo que tudo ficaria bem em algum momento, eu precisava estar perto delas, eu precisava mostrar a Sana que estava ali e que não iria embora. 

Por favor... se existe algo acima de nós, poderoso, o Deus que muitos falam, o Deus que não abandona os seus filhos mesmo os seus filhos o abandonando constantemente, por favor... dê a força que Agnes precisa para se recuperar, dê a força para que Sana respire sozinha, para que ela volte... eu apenas não conseguia suportar mais os pensamentos de desistência, eu precisava de tanta força quanto as duas juntas, então se alguém, algo, está me escutando... por favor... me ajude. 

- Não quer voltar pra casa e tomar um banho? - meu pai questionou, eu abri os olhos um pouco assustada, vendo pela a grande janela da sala de espera, o sol dando os seus primeiros sinais de vida por ali, logo esfreguei os meus olhos e neguei, me espreguiçando com um pouco de dor no corpo, mas não deixando que isso me abalasse.

- Volte pra casa, eu ficarei bem aqui - sussurrei.

- Você não comeu nada, Tzuyu. 

- Eu estou bem - afirmei, mas ele negou.

- Eu vou ligar para a sua mãe, vamos alternar pra poder ficar com você e com elas aqui.

- Como se a mamãe gostasse de mim, ou principalmente da Sana.

- Acredite, Tzuyu - meu pai suspirou, segurando a minha mão, me convidando para olhar em seus olhos, e eu o fiz - A sua mãe adora a Sana e a Agnes, tanto quanto eu. Mas você a conhecesse o suficiente para saber que demonstração de afeto, não é e nunca foi o forte dela.

- É... eu tenho a quem puxar.

- Vá pegar algo para comer enquanto eu telefono para ela, irei assim que ela chegar e quando ela se sentir cansada, eu volto. 

Não quis argumentar e pra falar a verdade, tê-lo presente era muito melhor do que estar naquela situação sozinha, mesmo ele não entendendo de fato o que eu sentia perante a tudo aquilo, a sua demonstração de afeto e preocupação era algo novo e... bom. 

Me levantei e caminhei até uma pequena lanchonete que havia no final do corredor, nada realmente chamou a minha atenção, mas ainda sim, o meu estômago disse por entre os seus roncos que precisava comer, então me disponibilizei sobre a torta de morango e um copo de café amargo sem açúcar, observando uma enfermeira entrar no quarto de Jihyo, empurrando um carrinho no qual cogitei ser a sua alimentação, terminando rapidamente o que eu comia, mas ainda sim, não abandonando o meu café, esperando a enfermeira sair e logo entrando em seguida, ganhando os seus olhos julgadores em cima dos meus. 

- A operação ocorreu tudo bem - informei - Elas... ficarão bem em breve - ela não respondeu, eu abaixei os meus olhos e me sentei ao seu lado, ainda tendo o gosto do amargo do café em minha  boca - Os... seus pais estiveram por aqui - falei, Jihyo pareceu prestar atenção naquilo - Mas... não ficaram por mais de dez minutos, o seu pai me deu um número de telefone e pediu pra mim ligar caso o pior acontecesse. 

- Claro... eles não mudaram nada. Nem mesmo com uma das filhas podendo morrer a qualquer segundo. 

- Por que eles são assim? - ela suspirou, se ajeitando o máximo que conseguia em sua cama, rapidamente eu a ajudei, colocando um travesseiro em suas costas, sorrindo quando ela agradeceu. 

- Meus pais tem uma linhagem de criação muito antiga, feita pelo os meus avós, bisavós, tataravós e por aí vai. Eles acreditam que... dar amor, se importar ou se preocupar, fizesse com que eu e Sana nos tornássemos fracas e vulneráveis, dependentes e medrosas. Nada de material faltou a nós duas, tínhamos uma casa boa, roupas boas, comida da melhor qualidade, estudamos e fizemos cursos a parte, tudo pago por eles, brinquedos e festas de aniversário não faltou a nós... mas... amor, empatia, preocupação... nunca conhecemos isso, pelo menos não da parte deles. E aparentemente, eles ainda pensam assim. 

- Eu... sinto muito por isso.

- Acredite, Tzuyu, isso causou muitos traumas em mim e em Sana, ela sempre foi sentimental, carinhosa com eles, mesmo não recebendo nada de volta e quando ela realmente percebeu que eles  nunca dariam amor a ela... Sana foi procurar esse amor pela a vida, consequentemente conheceu o pai de Agnes que só a usou e depois... a jogou fora. Ela sofreu tanto, ao ponto de não comer, não se cuidar... tudo por culpa daquele idiota... tudo culpa dos nossos pais. Mas quando Agnes nasceu, ela entendeu que não poderia ficar naquela pra sempre, Sana secou as lágrimas e se levantou, arranjou um emprego e passou a dedicar toda a sua vida a Agnes e isso... ver ela forte assim, me fez ter tanto orgulho, tanta admiração... ver que ela não precisava de ninguém, ver que ela conseguia se virar, mesmo com todas as dificuldades, quando eu vi o sorriso da minha irmã novamente depois de anos, eu prometi a mim mesma que mais ninguém a machucaria, mais ninguém a usaria, mais ninguém a faria chorar. Até você chegar. 

Eu parei de bebericar o café e a encarei, com uma mistura de culpa, medo, confusão, não sabendo se a sua última frase havia sido boa, ruim. Eu realmente havia feito Sana chorar algumas vezes, a magoei tanto quanto me magoei, então era óbvio que Jihyo me odiava, ela tinha os seus motivos e eu entendia. 

- Nunca vi os olhos de Sana tão brilhantes quando ela falava de você, Tzuyu - concluiu, eu continuei paralisada - Acho que você a fez acreditar no amor e que ele existia, já que o único amor que Sana conhecia, a abandonou assim que a deixou grávida. Ela não te ama por ser linda, rica ou bem aparentada, ou até mesmo por causa de um plano. Sana te ama pela a forma que você cuidou dela, cuidou de Agnes, a forma que você se importou, a protegeu, a forma que garantiu que ela ficaria segura, que cuidaria dela, pela a forma que você trata Agnes, de como a considera sua filha, mesmo não sendo. Sana ama o lado puro das pessoas e ela achou o seu lado puro, Tzuyu, o amou e o ama, independente de um plano ou não, Sana te encontrou. 

- Mas... você a quis levar para longe de mim...

- Eu tive medo, Tzuyu - confessou, os seus olhos se encheram de lágrimas, e mesmo ela tentando fazer com que elas não caíssem, elas rolaram por suas bochechas - Sana é a única pessoa que eu tenho, a única pessoa que cuidou de mim e a única pessoa na qual eu cuidei, tínhamos apenas uma a outra e quando ela se feriu da primeira vez, eu coloquei na minha cabeça que todas as pessoas que se aproximariam dela, teriam segundas intenções, a usaria e a jogaria fora, e eu não queria vê-la no fundo do poço de novo, por isso que quando você se aproximou... por isso quando eu descobri sobre o plano, todo o meu escudo e proteção excessiva se armou. A última coisa que eu quero é ver Sana triste de novo.

- Eu errei... - comecei - Eu errei muito com a sua irmã, mais do que um dia eu pudesse imaginar. Eu tive medo de todos os meus sentimentos, de todo o meu amor, mas assim que admiti que a amava, assim que coloquei na minha cabeça que eu realmente a amo, mais nada pra mim importa a não ser ela e Agnes, eu não me importo com o dinheiro, com bens, com nada a não ser a felicidade dela, a não ser o bem estar dela, a segurança dela, não só dela como a de Agnes também. Elas são a minha família, e eu amo... eu amo a minha família. Eu errei sobre o plano, eu confesso, e te peço perdão por isso. Me perdoe, Jihyo, por ter sido uma verdadeira babaca e ignorante com a Sana, me perdoe por ter a puxado para esse plano, mas por favor... acredite que eu a amo, eu a amei desde a primeira vez que os meus olhos pousaram nela, enquanto servia um vinho, no meu almoço de aniversário, aonde ouvia toda a conversa - Jihyo deu uma baixa risada, eu a acompanhei.

- Ela é muito curiosa.

- Eu a amei ali. Eu tive toda a certeza que ela seria minha e eu seria dela, não importasse o que poderia acontecer, somos uma da outra e eu quero que seja assim, pra sempre. Até quando eu estiver velha e caduca e ela estiver velha e linda do jeito que ela é, do jeito que ela sempre foi - Jihyo riu mais uma vez, segurando a minha mão, deixando que os seus olhos suavizassem em minha direção - Eu estou aqui, Jihyo e prometo cuidar de você, da Sana e da Agnes, mesmo você não gostando muito de mim. 

- Não gosto de você, mas também não desgosto.

- Bom, já temos algo então - concluí, feliz quando ela deu um sorriso receptivo, em uma mensagem que em algum momento, tudo poderia ficar bem. 

- Tzuyu - levei um susto quando o meu pai entrou no quarto, com um sorriso no rosto - A Agnes acordou!

My dear wife - SatzuOnde histórias criam vida. Descubra agora