Honey Of Sin - Finalizada

Capítulo 4

     As crianças dormiram durante anos na tenda do pai, até que Cheng completou seu décimo verão e foi considerado com idade suficiente para assumir suas funções de escudeiro. Deram-lhe uma cama e uma canto onde ele poderia ficar só. Á princípio, tudo correu muito bem, pois o menino ficara evidentemente honrado com a distinção, mas não tardou para que Nie Mingjue pressentisse alguns problemas.

__  Wuxian , vá chamar seu irmão.  Está na hora dos treinos com a espada. Céus, esse menino vive sonhando!

__  Não, não vive - retorquiu Wuxian , belocosamente. _ É que hoje ele esta cansado, porque não dormiu bem. Teve um pesadelo de novo. Da minha cama eu ouvi os gritos dele. Pobre maninho!

__  Sabe que pesadelos são estes? Vocês ja conversaram sobre isto?
Jo
   Nie Mingjue estava apreensivo. Os pesadelos de Cheng, longe de diminuir com o tempo, pareciam aumentar de intensidade. Se os soldados ouvissem seus gritos em véspera de batalha, certamente levariam longe a imaginação supersticiosa. E isso os enfraqueceria perante o inimigo, sem sombra de dúvida.

__ Não, ele diz que não consegue se lembrar - respondeu a menina, fitando-o com seus olhos negros cobertos de espessos cílios da mesma cor.

__ Nie Mingjue pegou-a pela mão e levou-a até a arena, pensando no que aconteceria a Wuxian quando se tornasse mocinha. Na verdade, ela era meio sem graça e descolorida, toda em tons de mel - inclusive a roupa. Parecia uma raposinha nova, os cabelos curtinhos brincando ao vento.

     Ele se abaixou, apoiando-se nos calcanhares, e pousou carinhosamente as enormes mãos peludas nos ombros da menina.

__ Escute, Wuxian. Sem dúvida você já percebeu que nossos guerreiros são supersticiosos, não é? - 

       Ela anuiu solenemente.

__ Já. Eles usam santinhos, amuletos e cantam umas músicas que têm letra esquisita. E falam em sinais de desgraça e de sorte que são capazes de decidir uma batalha antes que ela comece.

_  Então preste atenção no que vou dizer. Precisamos dar um jeito de não deixá-lo gritar de noite, mesmo que ele sonhe com o inferno. Sabe como podemos conseguir isto?

_  Cheng não grita quando dorme ao meu lado. Quando ele virou escudeiro é que começaram os pesadelos.

_   Nie Mingjue sorriu e ergueu-se satisfeito, afagando os cabelos sedosos e mal cortados da menina. Em nenhum momento lhe passou pela cabeça que Wuxian estava crescendo e que poderia haver alguns problemas embaraçosos quanto ao fato de os dois dormirem juntos. Na verdade ele raramente se lembrava de seu genero.

_  Venha, Wuxian. Quer aprender um pouco a manejar a espada também?

     Diante de tamanha e inesperada generosidade, os olhinhos dela brilharam intensamente.

_   Quero! E você vai continuar a me ensinar enquanto Cheng dormir perto de mim? Vai ser meu tutor particular?

-    Isso eu não sei, criança. Seu pai não vai gostar muito disso não.

-     Então Cheng vai gritar de noite de novo. E papai vai gostar muito menos.

-    Wuxian, você não esta sendo razoável. Isto é chantagem, sabia?

     Depois de um silêncio, Wuxian rebateu com lógica irrefutável:

-    Você me pediu um favor, e eu concordei. Agora eu lhe peço outro favor, e você me diz que eu não estou sendo razoável?

-    Mas, Wuxian - argumentou Nie Mingjue , coçando a cabeça - você é pequeno demais para aprender a lutar! E que história é essa de trocar favores? Favor se faz, não se barganha.

-    Vê? Até você me chama de " pequeno" e se esquece que a palavra adequada seria "pequena" . Todos aqui me tratam como rapaz, e eu não me importo com isso, até gosto. Então, sou um garoto , posso muito bem aprender esgrima. Cheng não está aprendendo?

-    É diferente, meu bem. Você é muito novinho. Um ano inteirinho atrás de Cheng!

-    Pois muito bem, se sou pequeno demais para receber favores, também sou pequeno demais para fazer favores. O trato fica desfeito. Durma você com Cheng, pronto!! Seus roncos vão servir para abafar os gritos dele.  E passe muito bem!

    A garotinha girou nos calcanhares, depois de lançar um olhar furioso e desafiante ao indefeso Golias.

    Este permaneceu parado, comtemplando a figurinha que se afastava pisando duro, admirado com a firmeza precoce que aquela criança já demonstrava. Suspirou, correu para ela e colhe-a no  colo, rindo ás gargalhadas.

-   Está bem coração, você ganhou.  Mas não pense que vai ser fácil, não senhorzinho! Se quer que eu dispense minha atenção a você, terá que trabalhar duro para isso, entendido? Os treinos são cansativos, mas eu não vou ter piedade nenhuma, é bom que saiba desde já. Pretendo ensiná-lo muito bem. E no dia em que você bancar o molenga, nesse dia eu paro minhas lições. Combinado?

-   Combinado! - gritou ela , exultante.

_ Então vamos começar - anunciou Nie Mingjue, colocando-a de volta no chão.

    Entregou-lhe uma espada leve e pequena, muito menor que as comuns. A de Nie Mingjue era enorme, tão pesada quanto uma laje, mas para ele era como brandisse uma pena. Em dias de batalha, desde as primeiras horas da madrugada até o lusco-fusco do entardecer, Nie Mingjue agitava furiosamente sua arma, sem dar mostras de cansaço. E era isso que ele iria ensinar à pequena e frágil Wuxian. Sua intenção era fazê-la ganhar corpo e volume, e tratou de catequizá-la nesse sentido. Não foi difícil convencê-la; após ouvi-lo com atenção, a pequena Wuxian logo compreendeu que precisava crescer e engordar, a fim de aguentar as lutas sem correr o risco de desmaiar ou entrar em colapso.

    Por seu turno, Nie Mingjue decidiu que continuaria a dar aos dois irmãos uma ração reforçada de comida.  Nada das espartanas refeições que os soldados recebiam! Cheng e Wuxian eram fidalgos, e como tal continuariam a ser tratados. Nie Minghue percebia que os nobres costumavam gerar filhos sadios e fortes, e que isso se devia principalmente à mesa farta. Mesmo que morassem num acampamento de soldados e não tivessem o conforto de um castelo, receberiam as ferramentas necessárias para sobreviver bem.

  Wuxian firmou as pernas na terra fofa e se agachou, como Nie Mingjue lhe ensinou, procurando imitá-lo aplicadamente.