23 - O passado e o presente 👣

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Gustavo

4 anos antes...

Logo após o velório e enterro de minha mulher e filho, me vi perdido e sozinho.

A casa estava em eco profundo. O silêncio, o vazio, a dor da perda repentina, a dor de esperar por alguém que nunca mais voltaria para mim me dominou, me pegou em cheio. Eu simplesmente não tinha mais perspectivas de futuro, de vida.

Minha vida acabou ali.

Foram dias e noites intermináveis de dor e angústia. A comida não tinha gosto, não tinha cheiro, não descia. E eu me perdia em tristeza e agonia.

Até que num dia chuvoso, em que eu estava trancado em meu quarto jogado sob a cama, me lembrei dos dias felizes em que eu e meu irmão passávamos na fazenda de nossa família. A fazenda já não existia, quando papai se foi mamãe a vendeu, presa em seu luto ela se desligou de tudo o que a ligava a ele, mas uma pequena vontade de voltar no tempo se apoderou de mim. Eu queria viver aquela sensação novamente, estar longe de tudo e de todos, longe dos problemas e preocupações, longe do luto. No entanto, somente dois anos depois, foi que eu consegui seguir meu desejo.

Amora.

Não consigo mais lembrar de como era minha vida sem ela. Era como se tudo o que eu vivi antes dela fosse tudo um sonho, e a realidade fosse ela.

Desde o primeiro momento em que a vi, parada na chuva a beira daquele abismo, senti a forte necessidade de a proteger, de cuidar dela. A princípio pensei que fosse apenas porque ela me lembrava Flávia. A mesma dor transmitida  no olhar, o mesmo desejo de acabar com a própria vida, a mesma tristeza. E ela também estava grávida.

Mas depois, percebi que não era a semelhança entre as duas que nos ligava, mas sim algo bem mais forte e precioso.

Um lindo menino que carregava meu nome, que era meu. Unidos não pelo o sangue, e sim pela a alma.

Me conectei com aquela criança ainda no ventre. A necessidade de cuidar dele e da mãe, de os proteger, de querer eles sempre por perto de mim, me fez entender que mesmo sem ter o gerado, eu era seu pai. Desde o primeiro momento que descobri que ele existia.

Saber sobre o pai biológico eu nunca quis. Sabia que aquele era um assunto doloroso para Amora que a humilhava, que doía nela. Sem falar que, eu sabia quem era o pai de verdade de Guto. Era eu. Sempre foi eu!

Mas no momento em que eu o vi pela a primeira vez, no instante que o tive em meus braços, nos momentos em que eu cuidava dele nas madrugadas, quando eu olhava para aquele menino lindo e risonho, eu me via nele. E não era apenas desejo de ser pai dele. Eu me via de verdade naquele menino. Éramos parecidos, a mesma cor de cabelo loiro claro, os mesmos olhos verdes, o mesmo sorriso largo, a mesma careta fechada quando não gostava de algo. Cheguei a pensar que eu estava ficando louco, maluco, mas não era. Guto em muito se parecia comigo.

Tudo isso tinha fundamento.

Guto parecia comigo simplesmente porque ele era filho biológico do meu irmão mais novo.

E saber disso fez abrir dentro de mim uma ferida tão profunda que doía na alma e que ainda não tinha cicatrizado. Era o passado voltando a tona.

- Me desculpa! - Amora disse em meio as lágrimas após confessar que meu irmão era pai de Guto.

Eu ouvi, cada palavra. Apenas não acreditava.

- Por favor, fale alguma coisa! - ela implora.

- Ele o quê? - precisei perguntar novamente para tentar assimilar.

- Me perdoa Gustavo! - seu choro se intensifica.
- Eu não sabia, juro que não sabia que ele era seu irmão! Eu não sabia! - ela se lamenta em meio a Dor.

Guilherme era o pai de Guto! Guilherme era o causador de toda a dor de Amora.

- Foi aquele infeliz quem a estuprou?! - pergunto seriamente ao me levantar e ficar em pé a sua frente.

Ela também se levanta.

- Por favor, não faça nada! - ela pedi.

A fúria me domina.

- Você ainda pede por ele? - pergunto zangado.

- Por ele não, por você! Não faça nada que possa se arrepender. - ela diz olhando em meus olhos.

Vejo verdade nos seus.

- Amora, ele a estuprou, traiu a esposa, lhe engravidou, mandou você abortar e por pouco você ia tirar sua vida e a do Guto! Tem noção do que me pede?! - eu estava possesso.

- Só não quero te perder!

Meu coração se apertou, doeu. E finalmente senti a intensidade da dor que Amora sentia. Eu também não queria a perder.

Com lágrimas nos olhos abraço Amora forte em meus braços e ela me agarra com força. Sentido um bolo se formar em minha garganta, acaricio seus cabelos soltos jurando para mim mesmo que nada nem ninguém seriam capazes de nos separar.

- Eu te amo! - digo ao sair do nosso abraço a olhando nos olhos.

- Eu te amo! Amo muito. - ela diz.

Sentindo como se fossemos inseparáveis, beijo Amora nos lábios suavemente. Eu não iria perder aquela mulher. E nem meu filho.

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