minha irmã costumava
me acusar de ser bagunceira
com toda a zona que acumulo do
meu lado do quarto
pareço ter o dom
de amontoar coisas
colecionar dores
desordenar pensamentos
ou no mínimo não por no lugar o que sinto
se eu tivesse poder de escolha
bagunçaria só do lado de fora
aqui dentro a bagunça
é tanta que o constrangimento não
me permite convidar
ninguém a entrar pra tomar
um chá ou passar a noite
perco os sentidos no meio de tanta tralha
bem que eu deveria jogar
boa parte fora
mas ainda carrego a bagagem de
quem perdeu o voo de volta pra casa
ainda guardo sapatos de
pessoas que já não calçam o
mesmo número
roupas de quem decidiu
mudar de estilo
e por carregar comigo quem
não me cabe mais
fico sem lugar para acolher
quem chega com intenção de ficar
às vezes penso que faço de propósito
que entulho o quarto de
hóspedes porque prefiro preencher
a solidão com coisas ao
invés de pessoas
que não arrumo a minha vida
porque arrumar seria achar
espaço para que outros
possam bagunçar
tudo de novo
porque não sou uma
casa em que você reside
sou uma pousada
em que você descansa
e vai embora
quando se revigora
deixando uma
gorjeta em cima da
cama que você
desarrumou
VOCÊ ESTÁ LENDO
intitulável
PoetryA coragem de admitir não saber titular a própria história, e a ousadia de se declarar intitulável.