Capítulo 23 - Delicadeza, mágoa e precipício

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Sukuna joga o casaco grosso sobre os ombros e o olhar não demora a fixar no cabelo escuro parcialmente escondido pelo encosto do sofá onde Megumi ainda está encolhido segurando uma caneca e assistindo alguma besteira na televisão.

Uma sensação imensa de alívio enche o peito do tatuado por saber que, aquela figura adiante, não é outra miragem, enganando-o devido à preocupação insaciável dos últimos dias. Ele senta-se ao seu lado sem pensar muito. Megumi o encara após um momento.

— Eu preciso sair pra resolver uma coisa. — Ryomen diz manso. Mal consegue conter a agonia de deixá-lo sozinho. Ainda se culpando por tê-lo com o pai semanas antes e ter resultado em tudo isso. — Não pretendo demorar muito.

— Tem a ver com aquela ligação de madrugada? — Megumi indaga, melancolicamente calmo ao deixar a caneca vazia sobre a mesa de centro.

— Tem.

Megumi continua encarando o recipiente. Embora tenha tido a noite de sono mais confortável em mais de um mês, não dormiu o suficiente e acordou várias vezes. Ao menos, dessa vez não estava sozinho com outro de seus maços cigarros por perto e isso o ajudou a acalmar seus pensamentos. Longos segundos se passam enquanto o Fushiguro devaneia quieto.

Sukuna segura seu rosto com delicadeza, fazendo-o encará-lo em silêncio. O semblante ilegível de Megumi o faz se sentir estranho. Incomodado talvez.

— Não é nada demais. — Diz. — Tem uma chave reserva pendurada no chaveiro. Mesmo querendo, não estou te prendendo aqui e você pode sair se quiser.

Megumi ri fracamente, entendendo sua péssima tentativa de fazer alguma graça.

— Devo me preocupar?

— Você riu um pouco, é o bastante pra mim. — Sukuna sorri minimamente. — Falando sério, posso te pedir pra não sumir outra vez?

Ambos se encaram em silêncio. Pela primeira vez, não precisam completar a pequena conversa com palavras e, se um dia Sukuna jamais imaginou agir tão carinhosamente com outra pessoa na vida, agora se pegou quase sentindo dor por deixar Megumi para trás, ainda que só por um tempo. Coisas demais tinham acontecido. O bastante para estar agoniado com a situação. Embora consiga enxergar um "não irei a lugar algum" sob os olhos escuros, ainda parece existir a possibilidade de ele simplesmente resolver desaparecer de novo.

— Pare de pensar demais. — Megumi chama sua atenção, afagando a mão que o segura. — Só de olhar na sua cara consigo ouvir sua mente falando. Sempre foi paranoico assim?

Sukuna pigarreia se afastando. Brevemente bagunça os cabelos escuros depois de se levantar.

— Não exagera.

Megumi o observa um pouco divertido enquanto Sukuna atravessa o cômodo e pega as chaves que julgou serem do carro. As írises avermelhadas fixam nas suas novamente antes mesmo do tatuado abrir a porta, e o contato visual parece durar horas até ele finalmente sair dizendo que voltaria logo.

O Fushiguro volta a se afundar no sofá logo depois. Olhando para a televisão sem realmente prestar atenção. Naquela manhã, mentiu em partes ao dizer que estava se sentindo melhor. Sukuna parecia mal, mesmo tentando demonstrar o contrário e perceber isso só o deixou culpado. Ele suspira. Se tivesse sido discreto quando encheu a cara pela última vez e não estivesse com o celular, nem Sukuna e nem seus amigos teriam visto aquilo. Se não fosse por isso, ninguém além de si mesmo estaria tão na merda.  Mas acima de tudo, é óbvio que Sukuna se culpa, consegue ver isso de longe.

Acordes cruéis e Cinzas ao ventoOnde histórias criam vida. Descubra agora