Capítulo 26 - A neve

340 44 14
                                    

Sukuna continua encarando Megumi em silêncio. Levou uma boa quantidade de tempo até que ele se acalmasse, mesmo não tendo contado nada sobre o que lhe aconteceu, e agora ali está ele sentado no chão e olhando o céu através das portas de vidro da sacada, abraçado aos joelhos e enfiado em um de seus enormes casacos.

Várias vezes esteve indo vê-lo por uma fresta da porta do quarto e, pelas suas contas, já deve fazer mais de uma hora que ele está ali do mesmo jeito, deprimido. Com um suspiro, adentra o cômodo mergulhado na meia luz e se acomoda atrás dele, envolvendo-o em seus braços. Apesar de muito disperso, Megumi sequer sobressaltou diante do contato repentino, no máximo, afrouxou o aperto ao redor dos joelhos para se deixar debruçar no tatuado.

— Tá tarde. — Sukuna sussurra. — Você precisa dormir.

— Quero ficar aqui um pouco mais.

Vários segundos se sucederam no mais absoluto silêncio e Sukuna não se moveu.

— No que tanto pensa?

— O inverno é a pior época do ano. — Murmura. — A neve vai chegar logo e isso sempre me deixa consciente demais do aniversário da minha mãe.

— É por isso que chegou aqui daquele jeito?

— Não. — Megumi fecha os olhos e suspira, se aconchegando dentro do enorme casaco. — Mas estava pensando nela e mais um monte de coisas e aí...

Sukuna o observa abrir os olhos novamente, os cílios longos e atraentes quase escondendo os orbes azuis obscurecidos tão abatidos encarando o céu terrivelmente nublado da madrugada. O único som que se escuta é o do vento lá fora.

Em toda a sua vida, não chegou a perder alguém querido dessa forma. Todas as pessoas que Sukuna pode dizer que perdeu, foram pessoas que o abandonaram ou foram abandonadas por ele, como sua mãe. Por esse motivo, não faz ideia do que dizer para consolá-lo e não se atreveria a dizer qualquer merda genérica, não é assim que as coisas funcionam entre eles. Sua melhor escolha é somente abraçá-lo mais gentilmente.

— Sabe o que é pior? — Megumi questiona retoricamente. — Nem sou capaz de fazer uma visita. Depois de todas as coisas que ela passou, criou um filho covarde.

— Não vejo nada de covarde em você, Megumi.

— Pare de mentir pra mim.

— Quantas pessoas você acha que resistiriam tanto quanto você? — Sukuna murmura, rente ao pescoço de Megumi num abraço cada vez mais abrangente.

— Eu tô completamente quebrado, onde isso é resistência? — Ele sorri, mas o faz tão breve e fracamente que se Sukuna não estivesse encarando a lateral de seu rosto sequer teria notado. As duas mãos frias apenas seguram-se nos braços fortes seu ao redor.

— No fato de que você continua segurando as pecinhas no lugar. Ou elas caem por aí enquanto você anda?

Megumi ainda abre a boca para dizer algo, porém acaba desistindo no processo. Em partes, Ryomen está certo e não é como se não conseguisse enxergar isso antes. Por mais que todo baque o destrua um pouco, talvez esteja se ferindo mais gradativamente justamente por sempre juntar os cacos e carregá-los por aí em suas mãos nuas, por vezes quase consegue sentir o sangue escorrer. É como uma verdade inconsciente que só foi verbalizada neste exato momento, quando se dá conta de seus atos. Ao fim de um longo tempo calado, Megumi apenas se aconchega mais no abraço, encarando novamente através das portas de vidro.

Acordes cruéis e Cinzas ao ventoOnde histórias criam vida. Descubra agora