SANGUE FRIO

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— PARA! VOCÊ ESTÁ ME MACHUCANDO.
— CALA A BOCA! EU TE USO DO JEITO QUE EU QUISER.

(...)

Diálogos, como esse, me acompanharam a vida toda. Sempre que eles voltavam a minha mente, sentia necessidade de transcender. Foi assim que aos 12 anos, comecei a usar drogas, e a beber.
Fui internado algumas vezes, e me incentivaram a fazer esportes. Escolhi o futebol americano. Com isso, ganhei amigos, uma bolsa de estudos, uma reputação divertida, e liberdade. Sair de casa, concretizou meu maior sonho. Contudo, às vezes eu ainda me perdia.
Com o tempo, entendi, que existia algo primitivo dentro de mim, e isso precisava ser saciado. 

Um dia andando pelo campus, depois de uma festa, vi uma garota caída.
Ela estava nitidamente drogada.

A imagem do meu pai, se formou imediatamente na minha mente.
Fui até ela, e quando seus olhos encontraram os meus, um estalo me transformou.
Naquele momento, me tornei quem mais temia, meu pai. 
Sem escrúpulos,  forcei a garota a ter relações comigo.

Ao fim do ato, sorri.
Pela primeira vez, uma onda de satisfação tomou conta do vazio que existia no meu ser.

Por um momento, pensei na minha mãe.
Se ao menos ela estivesse drogada quando meu pai a obrigava a se deitar com ele, contra a vontade, ela não teria sofrido tanto.

Acebei me convencendo de que, aquele pensamento estava certo, por isso, comecei a drogar e a forçar garotas a ficarem comigo, sem que elas se recordassem depois.

Porém, um dia, Philips me viu em ação.
Fiquei apavorado. Contudo, para minha surpresa, ele não me repreendeu. Pelo contrário, se excitou e pediu para gravar os encontros. A partir de então, Dean Adams tinha dupla personalidade.

Por fora, um doce menino, por dentro um ordinário.

(...)

Nunca tive pudores.
Minha mãe era uma mulher fria, que me criou para ser da mesma maneira.
Ela havia casado por dinheiro com um velho, no caso meu pai. Insatisfeita e faminta, abusava de mim. Com tempo desenvolvi a síndrome de Estocolmo. Ou seja,  entrei em um estado psicológico particular em que, enquanto era submetido a passar um tempo prolongado de intimidação, comecei a ter simpatia e até mesmo amor, pela minha agressor. Isso durou 7 anos. Começou quando eu tinha 10 anos, e só acabou nos meus 17, quando ela se casou de novo, já que meu pai morreu quando completei 6 anos. 

Por isso, quando descobri que Dean Adams fazia o mesmo, não me surpreendi.
Eu sei que deveria ter feito algo pelas garotas, afinal, eu fui uma vítima, tal como elas. Mas, em vez disso, ver de fora, o que passei, me deu satisfação. Por isso, resolvi participar, gravando os encontrando. Para mim, só ver, estava bom. E diferente do meu caso, ele usava preservativo, e drogava as meninas para que elas não sentissem nada, e nem se lembrasse depois do que passaram.

Porém, houve uma derrapada.

Em uma das nossas festas, Dean caiu na tentação e voltou a se drogar.
Transtornado, me pediu para ir até o nosso lugar secreto, porque queria que eu gravasse um dos seus encontros. Acostumado,  simplesmente fui. Após esperar um tempo, ele chegou furioso arrastando Ava Smith.

Fiquei em choque, porque ela era nossa amiga.

— O que está fazendo? Ela não!
Com um soco, me calou.
— Só filma, ou sai daqui, PORRA!

Pela primeira vez, ele foi violento, e não usou camisinha. E eu, não consegui me divertir com a situação. Foi a última vez que compactuei com ele. Ver Ava se debatendo, me trouxe a razão.
Me vi ai, como antes. 
Finalmente, entendi que era errado. Porém, quando fui confrontá-lo, no dia seguinte,  Dean não se lembrava de nada. Ele se desesperou.
Escondi o celular dentro de um caixa, e a coloquei embaixo do colchão.
Ninguém poderia descobrir o que fazíamos. Era necessário esquecer. 

Comecei a fazer terapia, e aconselhei Dean a fazer o mesmo. Só que em vez disso, para não se sentir culpado, voltou a viver drogado. Contudo, nunca mais, depois de Ava, voltou a abusar de ninguém. Eu mesmo fiz questão, de me certificar. 

Tinhas cicatrizes profundas, mas isso não nos dava o direito de machucar outros. 

Todavia, paramos tarde demais.

Ava ficou grávida devido ao ato de violência sofrido. 
Desesperada, ela confidenciou a gravidez a Dean, a quem ela considerava um amigo. 
Sem saber, que ele era o pai, pediu sua ajuda para conseguir dinheiro para tirar o bebê. Dean se disponibilizou a apoiá-la, na hora. 
Naquele instante, percebi que meu amigo, era um psicopata, que tinha um grave transtorno de personalidade. 
Entrei em pânico.
Porém, fingi não saber de nada.

Quando Ava morreu, me senti aliviado.

Só que, para minha desgraça, bem como a de Dean, ela não levou o segredo com ela.
Embora tenhamos nos esforçado muito para emaranhá-la, Ava havia percebido o abuso, e contou o fato para Rebeca, que relatou tudo aos policiais. O que de certa forma, levou Peter e Evie a desconfiarem, e consequentemente,  a descobrirem tudo.

Agora, nós dois, estávamos sendo presos.
E o pior de tudo, com provas gravíssimas e irrefutáveis.

Porém, pelas nossas veias corria sangue-frio. 
Não éramos normais.  E ao nos ver enjaulados, gostamos da sensação. 
Porque no fundo sabíamos que nascemos para esse fim. 

DOSE DUPLAOnde histórias criam vida. Descubra agora