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Naquele exato momento a expressão de incredulidade no rosto de Enid só não superava o vinco que se formara em sua testa, indicando a falta de apetite. A comida que havia sido posta em seu prato não era nojenta como costumavam dizer, por sorte, contudo, tampouco era aquelas mil maravilhas.

— Salada ou não? – A cozinheira voltou
a repetir com sua expressão de tédio e
Enid acordou de seu transe.

— Ôh boneca, acho melhor escolher logo, estou com fome e não tenho o dia todo. – Uma mulher extremamente tatuada, com a cabeça raspada e com marcas que Enid julgou ser onde os piercings ficavam, falou, sorrindo de forma cafajeste para Enid, que assentiu e pediu salada, saindo dali às pressas para movimentar a fila.

Ela procurou uma mesa para se sentar,
porém todas estavam ocupadas, o que lhe deixava somente uma opção: Conversar com outra detenta. Seus olhos procuraram algum rosto não tão assustador e então encontraram o mesmo par de olhos escuros lhe encarando. Ela respirou fundo e caminhou até sua mesa.

— Será que eu posso...

— Não. Vaza! – A voz rouca foi firme, fria e seca, fazendo Enid suspirar e assentir.

Ela franziu o cenho quando viu
uma mão no alto acenando para ela
desesperadamente. Deu uma olhada para trás e aos redores, se certificando de que era com ela mesmo e quando constatou que sim se aproximou.

— Olá, sente-se. – A voz meiga proferiu.
Enid atendeu seu pedido e se sentou,
reparando que a garota era careca,
sorridente e gentil. Sua pele era escura e ela usava um uniforme marrom e branco, então não era novata. — Me chamo Bianca Barclay mas pode me chamar só de Bianca.

— Sou Enid. – Ela disse um pouco cética
devido a todo aquela gentileza e bom
humor.

— Primeiro dia aqui e já tem várias de
olho em você. Logo alguém te pega. –
Enid franziu o cenho.

— Alguém me pega? – Enid perguntou
confusa.

— Sim, demorei três meses para ser pega por alguém, mas duvido que você passe de uma semana.

— Em que sentido? – Enid perguntou
alheia ao que a garota dizia.

— Oh, é sua primeira vez presa? – A garota perguntou e Enid assentiu. — Bem, as líderes dos bandos costumam pegar as novatas para serem suas parceiras sexuais. Elas te oferecem proteção em troca e outros benefícios, como comidas melhores do que as que nos dão aqui.

— Não estou interessada, obrigada. –
Enid disse, tentando comer uma folha
de alface, que era a única coisa que sentiu vontade de comer. Bianca riu ao ouvir aquilo, levando uma mão até sua boca para abafar o som.

— Você é engraçada. – Disse e Enid
percebeu que sua voz era um pouco
enjoativa. — Não é como se tivéssemos
opção. Se não fizermos por vontade
própria, uma hora ou outra alguém fará
a força. – Enid engoliu em seco. — Nem
todas são assim, mas algumas... – A garota deixou sua frase morrer ao dar de ombros.

— Quem... quem é aquela? – Enid
perguntou, apontando com o queixo para a garota de olhos escuros que ainda a fitava sem pudor.

— Wednesday Addams. Não deveriamos falar dela, ela é a líder absoluta.

— Ela não para de me olhar. É intimidador isso. – Enid reclamou e a garota arregalou os olhos.

— Ela te olha? – Enid assentiu. — Talvez você quebre o título dela de intacta.

— Intacta?

— Sim. Ela está aqui há quase três anos e se tornou a líder no primeiro ano, quando derrotou a antiga líder. – Falou baixo para ninguém mais ouvi-las. — Wednesday jamais pegou alguma novata para ela.

— Por que ela está aqui? – Enid não se
conteve em perguntar, vendo a outra dar de ombros.

— Ninguém sabe ao certo. Umas dizem
que ela matou três pessoas à sangue
frio, outras dizem que esquartejou a
ex-namorada, mas a verdade é que
nunca saberemos, porque ninguém ousa perguntar. – Enid assentiu e se calou.

Teriam que tomar banho em alguns
minutos e logo voltar para a cela. "Cela," lá estava o novo medo de Enid, afinal ela não sabia com quem dividiria o espaço.

— Está aqui por quê? – Bianca perguntou e Enid se remexeu em seu acento.

— Um engano. – Bianca riu baixinho e
assentiu.

— Todas dizemos isso, até o momento que nos conformamos em assumir nossa culpa. – Ela disse. — Do que foi acusada?

— Assassinato. – Disse seriamente.

— Uou, isso ficou interessante. E quem você matou?

— Não matei ninguém. – Enid disse
firmemente e com a expressão de irritação em seu rosto.

— Quem te acusaram de matar? – A garota reformulou a pergunta.

— Meu irmão e de tentar matar minha
mãe.

— Nossa. Quanto tempo pegou? – A garota perguntou curiosa.

—Vinte e dois anos.

— Bem, sua pena pode se reduzir
para mais da metade disso se você se
comportar. Eu mesma, peguei sete anos, estou aqui há dois anos e meio e saio no próximo semestre se manter a boa conduta.

— Minha pena implica em não ter direito à redução de pena por bom comportamento ou por pagamento de fiança. – Enid explicou. — O que fez?

— Roubo de carro e presa em flagrante.

— Pegou tudo isso por roubo de carro?

— Eu não sabia que era do senador. – Enid abriu a boca surpresa, mas aparentemente a garota estava acostumada com aquilo.

— Bem, logo sairá daqui então. - Enid
disse, voltando a olhar para a garota de
olhos escuros. Ela sabia que deveria
seguir o conselho da policial Divina, mas não entendia o porquê de ser tão
observada.

— Sim. Reparei que tem três de olho em
você. – Bianca disse. — Por sorte a minha não está.

— Não entendi.

— Às vezes elas trocam de parceiras e as antigas ficam desprotegidas novamente. Tem vezes que elas ficam com mais de uma parceira. Sabe a tatuada? – Enid assentiu assim que viu que Bianca se referia à garota da fila. — Seu nome é Scarlett, mas a chamamos de Scar e acredite, não é pelo nome. – A garota revelou. — É porque a cada nova cicatriz ela faz uma nova tatuagem em cima.

— Oh. – Enid disse levemente assustada.

— Ela parece estar de olho em você, mas não se preocupe. Ela só aparenta ser assustadora, é um doce de pessoa.

— Estou ficando assustada. – Enid
revelou, rindo fraco e a garota assentiu.

— Desculpe, não foi minha intenção. –
Bianca disse, olhando para um ponto
fixo atrás de Enid antes de se levantar. — Preciso ir, minha mulher está me
chamando. Até mais. – Disse e saiu, Enid olhou para trás e viu uma garota alta, gorda, porém de riso fácil dando um selinho em Bianca.

Enid suspirou amedrontada em seu
interior. Em que furada sua mãe havia lhe metido desta vez?

Presa Por Acaso - WENCLAIROnde histórias criam vida. Descubra agora