Minha amiga.

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P.O.V KARA ZOR-EL

Na manhã de segunda-feira, saí da escola  depois que o sinal tocou, coloquei a roupa de ginástica e atravessei até o parque para correr. Era algo que eu fazia toda segunda e quarta, mas em vez de me demorar na escola por mais uns minutos como tinha feito na semana passada em uma esperança patética de que Lena me procurasse, simplesmente fui embora.

Passei todo o dia de ontem preenchendo uma queixa por causa da invasão, e então limpei a casa do chão ao teto, removendo cada vestígio de que alguém estivera lá.

Hoje de manhã, antes de ir para a escola, refiz minha cama duas vezes, verifiquei os cantos e então fui garantir que as janelas estavam trancadas e que todos os armários estavam fechados. Quatro vezes.

Destravei a porta do meu carro oito vezes, e contei os meus passos até a escola.

E então me sentei à mesa e apoiei a cabeça nos braços e chorei até cansar antes da primeira aula, porque não queria mais
sentir medo.

Eu não queria ser assim.

Queria ser como eu era com ela.

Não que Lena pudesse me salvar, mas eu estive feliz.

Estava apaixonada por ela.

Mas me recusava a sentir saudades daquela peste. Lena não podia mais me fazer me sentir melhor, e eu não permitiria que ela me consertasse.

Então sequei os olhos e decidi: chega.

Não sabia quem havia entrado no meu apartamento, mas seria eu a lidar com o problema. Eu havia ligado para a polícia e prestado queixa, decidindo que não tentaria cuidar de tudo em silêncio como os meus pais fizeram. Em vez disso, eu seria proativa e não ficaria sentada esperando.

Pisei com força na calçada, o suor escorrendo pelas minhas costas quando completei as oito voltas e continuei. Dangerous, de Shaman’s Harvest, forçava os meus músculos, me dando a energia que meu humor havia exaurido, e comecei a me sentir mais como a mim mesma pela primeira vez em muito tempo.

Estava um pouco frio hoje, mas não senti, apesar da regata branca e do short preto que eu usava. Voltei a enfiar o fone na orelha, pois ele tinha começado a cair, mas aí algo bateu na minha bunda, e eu parei de supetão, arrancando os dois fones.

— Oi. — Alex correu no lugar ao meu lado. — Você faz mesmo isso por diversão?

Ela deu um sorriso doce, parecendo um pouco cômica, porque estava perdendo o fôlego, mas tentando esconder. Balancei a cabeça para ela e continuei correndo, sem me importar se ela acompanharia.

— O que você está fazendo aqui?

— Bem — ela suspirou —, eu sempre te vejo sair às pressas da escola no fim do dia com as suas roupas de malhar para correr, e pensei comigo mesma… eu posso fazer isso — pensou em voz alta.

Não pude evitar; bufei, e meu peito tremeu.

— Fiz você rir — ela se gabou. — Você não anda sorrindo esses dias; na verdade, na última semana, então considere essa a minha habilidade especial.

— O quê? — resmunguei, tentando parecer aborrecida.

— Fazer você abrir um sorriso — observou. — Tenho certeza de que não é todo mundo que consegue. Eu talvez seja tipo a sua alma gêmea. Sua outra metade.

Revirei os olhos, a brisa soprando sob as copas das árvores e esfriando a minha pele.

— Estou bem — declarei. — A lua de mel acabou, só isso. Dar aula finalmente ficou difícil.

— Amém, irmã — ela devolveu. — Mas se eu tivesse a sua metodologia de ensino, tenho certeza de que estaria bem feliz com as minhas aulas. Pelo menos não tem problemas de comportamento te atazanando.

Não. Não tinha. E o que eu havia dito a ela não tinha sido verdade. Dar aula sempre foi difícil, mas aquela não era a razão para o meu mau humor.

Eu só não estava a fim de lhe contar tudo. Independente do que acontecera na boate, eu gostava dela. Com a forma como se portou na escola depois de ter me visto na boate com Lena, e com a sua discrição, comecei a confiar mais nela. E ela parecia gostar de mim, embora eu não tivesse ideia da razão.

— Ouvi o Morgan te pedir para dar uma palestra para os professores sobre técnicas de engajamento no Desenvolvimento de Pessoal — ela prosseguiu.

Assenti, deixando o fone cair ao redor do pescoço.

— Eu disse não.

— Por quê?

— Porque eu pensei que cairia mal com os outros professores que alguém tão inexperiente quanto eu dissesse a eles como fazer o próprio trabalho — expliquei.

— Eles que se danem. — Ela acenou para mim. — Assim como os alunos, os professores devem estar dispostos a mudar para alcançar o sucesso. — E, pelo canto do olho, eu a vi se aproximar, brincando comigo. — E você é tão capaz, acho que conseguiria fazê-los querer.

O que ela sabia? Professores costumavam se agarrar ao seu emprego pela vida toda e se tornavam criaturas de hábitos. A ideia de que eu poderia simplesmente chegar e dizer para eles, para pessoas que tinham anos de experiência, como melhorar era presunçosa.

Por que ela se importaria com o que eu faço? Eu a medi com um olhar de soslaio.

— Por que você é tão legal comigo?

Ela torceu os lábios.

— Um pouco cética demais?

— Não — respondi. — Tipo, eu não me esforcei para que você visse nada do que gostar.

Ela riu.

— Não é verdade. Você é uma dançarina maravilhosa. Faz coisas ótimas com as mãos.

Dei um soquinho no braço dela, deixando escapar uma risadinha ao diminuir o ritmo e seguir para o gramado. O sorriso dela se alargou, e ela me acompanhou.

— Eu gosto de você — arquejou, ofegante. — Você faz seu trabalho como se não estivesse tudo planejado. Você é criativa. Faz o que quer, do jeito que quer.

Sentei-me e apontei para os meus pés para que ela os segurasse enquanto eu cruzava os braços sobre o peito e logo começava a fazer abdominais.

— As pessoas respeitam essa atitude — ela me contou, ajoelhando-se para segurar os meus pés com as mãos. — Eu respeito.

Subi, sentindo os músculos da barriga contraírem quando me abaixei e voltei a me erguer.

Por que ela não deveria ser minha amiga? Eu não tinha muitas. Nenhuma, na verdade.

E fazia muito tempo que tive uma.

Ela era bagunceira, e eu podia dizer que ela gostava da desordem. Tudo que eu era contra.

— Eu sou tímida — avisei a ela.

— Você é intolerante — ela me corrigiu. — Há uma diferença.

Dei um sorriso amarelo.

— Eu sou cínica — apontei.

— Ahhhh, cínicos são tão fofinhos — ela disse, e eu balancei a cabeça, divertida.

— E não gosto de farra — avisei, deitando-me no gramado.

— E eu gosto — ela devolveu, e deu de ombros. — A gente chegará a um meio-termo.

Eu sorri para ela.

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