Tempestade

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Sean 9:55 PM

Não devia ter levantado o olhar, não devia mesmo. Seus olhos castanhos, brilhantes e dóceis me encaravam desenfreadamente me fazendo travar no lugar e acelerando ainda mais minha pulsação, sua mania de investigar me deixava nervoso. O longo tempo que passei seguindo - a percebi que ela era uma observadora nata, reparava em tudo ao seu redor, como se estivesse sempre alerta ao que pudesse acontecer, analisava cada pessoa e cada situação, e é exatamente isso que estava fazendo agora, tentando me decifrar, me encarando sem nenhum receio ou medo. Para ser sincero, não sei se gosto disso, na verdade, não gosto. Eu sempre agia com muita cautela por causa da vida que escolhi, não me agradava que ninguém soubesse de absolutamente nada de mim, eu era o observador, a sombra que vigiava tudo e todos. Mas inapelavelmente não me sentia ameaçado pela inspeção dela, por ela não tinha problema, a verdade é que essa característica dela me atraia ainda mais.
Desvio o meu olhar para os lados de forma claramente desconfortável e merda eu não queria que fosse assim. Um nervosismo estrondoso me preenche pela sua simples presença, eu consigo sentir o doce cheio do seu perfume o que me deixa bem tenso.

- Acho que vai chover - ela diz para quebrar o silêncio enquanto embala o colar delicadamente.

Minha voz soa quase inaudível quando respondo.

- É, acho que sim.

Deixo o dinheiro em cima do balcão enquanto pego o pacote rapidamente, impulsivamente não resisto a dar um última espiada nela, porém, nossos olhares acabam se encontrando, tomado pelo nervosismo quebro nosso contato visual e saio da loja rapidamente. Quando a porta se fecha à minhas costas luto contra a vontade de olhar para trás, e ver mais uma vez seu delicado rosto, mas, ao invés disso, ajeito meu capuz e me distancio a passos largos, sempre olhando para o chão.
Eu só podia estar louco, na verdade eu estava. Era tudo um completo delírio criado pela minha mente, esse sentimento, esse plano estúpido de seguir uma garota da qual eu vi apenas uma vez. Nem acredito que eu fiz isso, não deveria ter me deixado levar pelas emoções, deveria ter ignorado, mas ela, seu sorriso, seu jeito, me prenderam. Primeiro as informações sobre ela, suas fotos, sua vida. Depois o impulso de encontrá- la, de abordá - la, mas não acho que eu seja do tipo dela, embora ela conheça caras como eu, como demonstrou na Laviticus. Apesar de termos coisas em comum como o fato de sermos introvertidos, ela era mais sociável que eu, demonstrava apreço pelas pessoas, era sempre dócil e sorria com facilidade, coisa que eu não fazia nunca, (exceto quando delirava). Se vestia de forma perfeitamente ordenada, e ainda andava com leveza e naturalidade. Pensar nela me faz sorrir, ela desperta sentimentos que nunca tive antes. Quando menos espero o clarão de um raio ilumina todo o céu anunciando que logo choverá. Paro, seria melhor segui-la até sua casa, só por precaução, só porque eu quero.
As luzes da loja estão todas desligadas, mas ela ainda não saiu de lá, os raios aumentam e logo consigo sentir pequenas gotas de chuva. Blake finalmente sai trancando a porta logo em seguida, ela olha para o céu e fica um pouco apreensiva mas começa caminhar rapidamente, comigo ao seu encalço. Ela era incrivelmente bonita, através das luzes das lojas em que passava, pude observar sua face pensativa, queria muito saber o que se passava em sua cabeça, será que pensava em mim, e no meu comportamento estranho na loja? ou será que ela me reconheceu da Laviticus ? não podia ser, pois estava chapada demais para isso, o que me deprime um pouco, seria tão mais fácil se se lembrasse, se sentisse o que eu sinto.
Começa a ventar e o chuvisco começa a ficar mais grosso, logo ela chega numa parte pouco iluminada, cheia de becos escuros e pouca movimentação. Ela passa os braços ao redor de si para se proteger do frio que vinha junto com a chuva, e um homem não sei onde, surge logo atrás dela, começo a ficar desconfiado, ele a segue durante alguns minutos sempre a uma certa distância. Eu estava um pouco atrás, mas instintivamente resolvo apressar o passo, ela logo nota a presença dele e decide caminhar mais rápido também, o estranho acelera o ritmo e é aí que eu percebo o perigo, merda, merda, merda tem alguma coisa errada.
Ele está quase alcançando - a, ela, já pressentido algo começa a correr e é aí que ele a agarra e prensa seu leve corpo contra a parede. Quase chegando a cena a vejo dar um joelhada em seu estômago o que o debilita, mas por pouco tempo, ela tenta correr mas ele a alcança novamente agarra seu cabelo e a joga no chão.

- sua vadia !!!

Não dá tempo para ele dizer mais nada pois o agarro e dou um grande soco em seu rosto. Ele perde o equilíbrio devido ao impacto e cai no chão enquanto dou sucessivos socos até sair sangue. Raiva e ódio queimavam minhas veias, pensar que alguém ousaria machucar uma garota indefesa me tirava a sanidade.

- Seu filho da puta.

Decido parar, a última coisa que eu queria era ir para cadeia por matar um verme desses. Ele se levanta ainda cambaleando e sai rapidamente. Olho para Blake, ela está escorada na parede de tijolos, a sua face está completamente tomada pelo terror, estava olhando fixamente para baixo, para o lugar onde o cara estava a alguns segundos, sua respiração estava desregulada. Chego perto dela devagar, com receio

- Você está bem? está machucada?

Ela não esboça nenhuma reação, o que me preocupa. Parecia que estava em estado de choque, e para piorar começa a chover torrencialmente. Ouso chegar mais perto

- Está tudo bem agora - digo de forma macia para tentar acalmá- la. - Ele se foi, não vai mais te machucar

Avanço para mais perto dela.

- Blake?

seus olhos ainda estavam focados no chão, me deixando muito preocupado, já estávamos bem encharcados. Dou uma olhada ao redor em busca de um lugar iluminado e seguro, um lugar que a faça se sentir bem e vejo uma cafeteria aberta no final da quadra

- Precisamos nos abrigar da chuva - tem uma cafeteria aberta, acho que podemos ir para lá esperar a chuva passar.

Ela ainda não esboça nenhum movimento. Chego bem mais perto o que a faz se retrair, mesmo aflita ela reconhece que não sou um perigo. Delicadamente pego em seu ombro e começo a guiá- la até lá . Uma vez lá dentro a levo para uma mesa ao fundo, perto da janela.
Fiquei observando- a por longos segundos, e aos poucos, ela foi saindo do transe do qual estava, mas ainda estava em um completo silêncio o que me deixou apreensivo até ter coragem de perguntar novamente.

- Você está bem ?

Se passa longos segundos de silêncio até que ela finalmente levanta o olhar acuado e balança a cabeça.

- Estou diz

Sua voz entrecortada quase inaudível me preocupa, não consigo esquecer sua reação de medo naquela hora, tão vulnerável, tão desprotegida. Pensar que se eu não a tivesse seguido teria acontecido o pior, e por mais que fosse errado meu impulso de ser seu perseguidor foi exatamente isso que a salvou.

Ela continua quieta, e quando penso que vai embora ela finalmente diz

- Me desculpa, é que alguns traumas no meu passado me deixaram...

Ela tenta explicar angustiada, o que me leva a crer que aconteceu no seu passado tinha fudido com ela de uma forma dolorosa

- Não precisa pedir desculpas, você não tem culpa de nada, ela então me lança um olhar terno, de agradecimento.

- Obrigada, se não fosse por você eu...

- Não foi nada.

- Foi sim, você me salvou e eu nem sei como agradecer

- não precisa.

- Precisa sim, se me permite posso te pagar pelo menos um café? ou sei lá o que
você quiser

Ela gagueja nas palavras, o que me faz sorrir internamente pelo seu senso de agradecimento.

- Um café está ótimo - digo apesar de não tomar café.

- Ok - ela diz sorrindo timidamente, e logo gesticula para a única atendente vir nos atender.

- Dois cafés por favor.

Ela era ainda mais linda de perto. Agora que eu não iria deixá- la mesmo, dar ouvidos a minha loucura foi a melhor coisa que fiz.

- Hãaaa eu ainda não sei o seu nome

- É Sean, o meu nome é Sean

- É um prazer conhecer você, Sean.

O jeito como ela disse meu nome, de uma forma arrastada, me deixou extremamente excitado, e na minha mente pútrida fantasiei ela sussurrando no meu ouvido enquanto estamos a sós.

- o meu nome é Blake

Eu sei, penso .

- É um prazer te conhecer Blake, e lanço um sorriso de canto a ela.

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