Rendição

Memórias Desagradáveis

Sean  09:30 PM

Minha vida foi sempre cheia de tribulações, eu fazia o que podia para sobreviver através do caminho que escolhi para mim. Não sei dizer exatamente quando fiquei assim, mas pensando bem, na verdade,eu posso.           Quando fiquei mais vulnerável se aproveitaram de mim, me usaram para benefícios próprios, minha lealdade nunca serviu para nada.
Me tornaram o que sou hoje, tudo que sei é que desde então não fui capaz de confiar em ninguém, a confiança se tornou algo perigoso para mim. Sei que tenho culpa por minhas escolhas, sei que no final das contas ninguém se importa se eu tive um passado triste, sei que a merda de ser humano que me tornei é por minha causa, mas quando tudo começou eu só era uma criança assustada e cansada de ser tratada feito lixo.
 De repente memórias dolorosas me vêm à mente.

Chicago 2005 

Mesmo depois de tudo ainda acredito que eu possa estar tendo um daqueles pesadelos, que nada do que aconteceu seja real, seja só coisa da minha cabeça. Me lembro vividamente de ontem, onde minha mãe me acorda para ir à escola com sua doce voz, me balançando delicadamente me chamando de preguiçoso. Me dirijo até a cozinha impecavelmente arrumada, onde o sol da manhã pega na mesa através da janela que dá de frente para a rua. Me sento à mesa enquanto ela me serve waffles, para logo em seguida passar a mão no meu cabelo e  beijar o topo da minha cabeça. Enquanto tomo meu café da manhã, meu pai está do outro lado da mesa lendo o jornal à medida que toma o café e ovos feitos por minha mãe, observo furtivamente a troca de olhares entre os dois, e me sinto feliz por tê- los em minha vida e penso que seria maravilhoso encontrar a pessoa certa, que me faça feliz como meus pais são.
    A realidade amarga me traz de volta, onde meus pais foram assassinados a sangue frio, onde tenho que aprender a viver sem eles. Desde o incidente não falei uma palavra sequer, havia uma tristeza profunda em mim, fiquei sem reação alguma, era como se nada mais importasse e realmente depois que você perde quem mais ama não resta nada a não ser um vazio enorme e uma sensação terrível de desamparo.
 Não chorei quando os corpos chegaram, mas quando olhei  para eles, algo em mim se rompeu, as únicas pessoas que eu tinha haviam sido tiradas de mim, isso era injusto, muito injusto que pessoas como meus pais, pessoas boas, fossem mortas de um jeito tão violento. 
  Meu tio estava aqui, eu quase não o via, ele nunca fora presente na família, meu pai tinha algum negócio mal resolvido que os mantinha afastados e eu não fazia ideia do que era. Como não tínhamos nenhum contato, ele era muito estranho para mim, é um sujeito de olhar penetrante e porte forte como o do meu pai, mas enquanto as feições do meu pai eram suaves as dele eram bem rústicas dando uma certa impressão de não ser uma pessoa que sorri com frequência.

— Hein garoto, sei que é difícil, mas você tem que superar isso, sei que é forte! Você é um Cross.

— Eee, já que não tem ninguém, vou cuidar de você.

Apenas assenti com a cabeça, não muito animado de fato, pois nunca conheci direito meu tio, só sabia da sua existência. Seu cheiro de cigarro era horrível, ele tinha olheiras e uma barba por fazer e suas roupas estavam todas abarrotadas, o que era um pouco de descuido no funeral do próprio irmão. Mas eu pensei, talvez ele só esteja exausto de cuidar de tudo e principalmente de ter que enterrar seu irmão e sua esposa, então eu simplesmente não pensei muito nisso, porém, mais para frente eu acabaria descobrindo que o babaca na minha frente não se importava nem um pouco com a família.

Dias atuais

Não existe um lugar como nosso lar, mesmo que seja pobre e decrépito. Felizmente tive a sorte de encontrar um único lugar onde tenho paz interior, onde não posso ser encontrado tão facilmente e onde posso ser eu mesmo. Achei esse prédio a muito tempo atrás, o dono me alugou por uma pechincha porque ninguém vinha aqui, quando o encontrei tinha muito lixo e pichações em todas as paredes, achei que seria o lugar ideal pois tinha caído no esquecimento, então dei uma geral na galeria e a isolei como pude, então se tornou meu lar temporário pois eu nunca ficava muito tempo em um único lugar. Minha vida é turbulenta demais para ficar estagnado em um lugar só, o que eu escolhi para minha vida me transformou completamente.
   Chegando lá me joguei no sofá velho ansioso para pegar o que estava dentro do bolso do meu casaco, espalho seu conteúdo  na mesa de centro para então com um papel eu poder cheirar e finalmente sentir alguma coisa. Fixei meu olhar num canto escuro e fiquei esperando o desejado efeito. Em alguns poucos minutos a sinto no meu organismo, me fazendo sentir mais vivo e me deixando num estado de euforia. Adrenalina se espalha por todo meu corpo me fazendo ter uma tremenda vontade compulsiva de correr, festejar e rir ao mesmo tempo, mas das três coisas que pensei só fiz a última. Os sons da minha risada ecoam por todo prédio, era um tipo de felicidade temporário, irreal, mas ali naquele momento não existiam problemas, não existiam pessoas querendo me matar, não existia passado sombrio, era só eu e minhas alucinações. Porém as drogas não infelizmente não podiam sanar a solidão que eu sentia ou o vazia dentro do meu peito, não ter amigos, família ou alguém qualquer pessoa que seja é um pouco decadente, mas ninguém que me conheça por tempo suficiente teria coragem de se aproximar de mim, não era nem pelo meu trabalho zuado mas pelo abismo enorme que há em meus olhos, meu temperamento, não sou nada convidativo aos olhares dos outros, ainda debaixo do capuz, mesmo sem mostrar meu rosto eu era temido, como se eu fosse uma grande red flag e bom, eu era.