Rendição

Dias infelizes

Sean 19:00 PM

Era muita infelicidade e desgraça para uma pessoa só. Ainda não consigo acreditar no que houve naquela noite, no meu descuido e na minha crença de que eu iria conseguir sustentar essa mentira para sempre, eu fiz escolhas e agora tinha que pagar o preço por elas eu só não imaginava que seria tão caro. Desde que tudo aconteceu não consegui ficar muito tempo consciente tudo que eu queria era parar de sentir e só havia uma coisa que me ajudava nisso, é a mesma coisa que fez ela ir embora, a mesma coisa que matava lentamente. Não paro de pensar e repensar na grande chance que perdi de construir algo importante em minha vida com alguém por quem senti algo, simplesmente não paro de pensar na grande burrada que fiz mentindo e manipulando a situação para tudo sair ao meu favor e que se não fosse por isso ela nunca olharia de novo para mim, para começar as coisas começaram por mim o cara idiota que se paixomou por uma estranha em uma balada qualquer, ela nunca obteve interesse no cara estranho que vendia algumas merdas, ela não era disfuncional como eu, ela era uma garota vulnerável devido aos seus traumas e que jamais  deixaria de se envolver com um cara da minha naipe e não a culpo, não posso, ela nunca esteve errada, ela fora a vítima de minha obsessão doentia, da minha ideia de construir algo, do conto de fadas que eu queria que fosse real. Mesmo com suas duras palavras e com meus próprios pensamentos me crucificando não pude deixar de observá- la a espreita, com sua vida perfeitamente normal, lutando cada dia para ser uma pessoa melhor, uma aluna exemplar. Mesmo com meu interior corroído pela dor não posso deixar de imaginar a ideia de não vê-la nunca, isso me embrulha o estômago, pensar nos nossos momentos juntos e que no final das contas não valeu de nada. Eu ainda a quero e é essa decisão que não me faz afundar ainda mais, o fato de que mesmo errado quero continuar tentando  e mesmo que ela decida não me ver mais eu ainda sim estarei lá.  
     Não consigo deixar minha raiva e ciúmes de lado toda vez que a vejo com seu professor, desde o ocorrido ela procurou se manter muito mais ocupada do que antes e agora vivia quase que 24 horas na faculdade, chegava cedo e saia muito de noite e para completar sempre com ele. Não estar perto para declará - la minha é enlouquecedor e ainda mais quando há um cara rico e com fama de mulherengo entre as alunas o que eu descobri fazendo negócios nesta faculdade que não era muito diferente da boate, aqui também haviam muitos engomadinhos viciados tentando esquecer da família que esqueceu deles, então sendo discreto eu posso ser capaz de descobrir muita coisa suja que acontece aqui, ainda mais dos professores. Agora eu tinha que bolar uma estratégia de como ser perdoado pela Blake e como fazer para que ela me aceite de volta, mas algo me diz que vai ser um pouco difícil pois ela não é uma pessoa que volta em sua palavra e eu não posso mudar o que eu fiz, ou quem eu sou. Levo um pequeno susto quando meu celular vibra no meu bolso e não fico surpreso de ver que era Khalil.

一 Aparece aqui aqui as 11 e não se atrase. 

Essa era a comunicação de alguém que é um mero subordinado, eles falam você escura quieto e obedece, sempre foi assim e sinceramente eu gosto, não tem conversa fiada, só ordens. Pode ser um pouco solitário quando as pessoas com quem se comunica são se gangue, mas com o tempo você acaba se acostumando, não existem amigos aqui porque  eles são mortos ou presos e confiança é algo que não existe, aqui eles te usam para chegar no topo e ser bem vistos pelo chefe. 

                                                         *****

Só podia ser uma puta brincadeira de mal gosto. Não é possível alguém ser tão azarado na vida quanto eu, puta merda depois de tudo que eu passei nas últimas semanas ainda teria que aturar isso? eu deveria ter fumado mais antes de vir para cá.

一 Oi Sean, não vai comprimentar seu tio?

Caralho depois de tudo que eu sofri por causa desse merda eu teria que atura- lo no trabalho também? Ainda me lembro como se fosse hoje da sua indiferença em relação a mim logo depois que meu pais morreram, era como se eu não existisse para ele, quando eu perguntava onde iria dormir ou o que iria comer ele simplesmente me dizia para se virar ou me perguntava se eu achava que era fácil conseguir essas coisas, na época eu era tomado pela ansiedade e o medo de não conseguir, de acabar morrendo de fome ou espancado quando ele chegava bêbado em casa se tornava violento e me dizia coisas horríveis sobre meus pais que ainda me assombram. Eu acabei entendendo por que meu pai nunca havia me dito nada sobre ele, simplesmente porque não valia a pena, meu tio era um lixo de ser humano e eu uma criança medrosa de indefesa que só queria a antiga vida de volta, eu me recordo de chorar todas as noites e implorar a Deus para me levar onde meus pais estavam tudo o que eu mais queria naquele exato momento era me sentir amado novamente, cuidado, ter a voz da minha mãe me chamando para escola, mas ao invés disso eu acordava com os berros do meu tio gritando para mim suas frustrações e em como a vida dele era uma merda por ter que cuidar de uma criança inútil que nem herança tinha. Quando eu cresci as coisas só foram piorando, ele foi ficando mais agressivo porém seus comportamentos acabaram me tornando mais como ele, até o medo e a ansiedade foram dando lugar a raiva e raiva foi dando lugar a uma agressividade cada vez mais exacerbada, tudo que eu lembro é que eu estava sempre furioso, sempre descontando meus problemas em todos, parei finalmente de ser alvo de provocações e agora eu finalmente era temido e algumas pessoas reparam nisso, em como eu era bom brigando e descontando a minha raiva cegamente no mundo pronto para ser manipulado.
  Ainda descrente lanço um olhar sério a Khalil que me olha de volta com certo divertimento.