Lugar Preferido - Luiza

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Nosso dia estava tão bom.... Não queria trazer todo esse drama do nada. Voltei o caminho todo chorando feito uma idiota. Ouvir certos tipos de comentários me deixa mal. É tão cansativo ser mal interpretada o tempo todo... nem aqui estava livre.

Chegamos na casa e Valentina ficou imóvel por 2 minutos, o carro trancado, ela com as mãos na direção. Parecia que viu uma assombração.

- Lu, só me segue, tá? (Ela fala saindo do carro.)

- Como assim?

- Só vem.

- Tá.

Fomos caminhando... passamos por trás da casa e finalmente chegamos em nosso destino. A casinha que Valentina disse que o pai construiu pra ela. Não entendi muito bem qual era o plano. Só a segui.

Subimos até a casinha, parecia muito um lugar da Valentina. Algumas revistas de fotografia enfileiradas em um cantinho, álbuns de figurinha do flamengo, livros diversos que pareciam estar ali há bastante tempo, Harry Potter e a Ordem da Fênix, Jogos Vorazes, O Menino do Pijama Listrado e o que mais me impressionei porque já li várias vezes, O conto da Aia.

Também tinha um discman e uns CDs de bandas como Nirvana, Paramore, Linkin Park, Detonautas, CPM 22, Charlie Brown Jr e um que parecia estar perdido no meio de todos, o álbum Forever das Spice Girls. Um travesseiro que de cara dava pra perceber que é antigo, não porque estava sujo, simplesmente só de olhar dava pra saber que fazia parte daquele lugar. Analisei tudo o que pude rapidamente, tinham outras coisas que não deu pra ver direito, mas me senti como se estivesse dentro do mundo que ela criou pra si.

- Bem vinda a meu lugar preferido daqui. (Ela sorri com os lábios.)

- Lugar preferido? (Falo enquanto reparo os detalhes da casinha.)

- Posso te contar uma história?

- Sim... claro.

Ela estava mais serena, não parecia a mesma que ficou imóvel e pensativa quando estacionou o carro. Nos sentamos uma de frente pra outra, como ela pediu. Parecia que seria o início de uma longa conversa.

Ela olha fixamente pra mim e começa a falar.

- Quando eu era pequena, não tão pequena assim... acho que tinha uns 11... 12 anos, estava tendo certa dificuldade em algumas matérias. As vezes não conseguia me concentrar direito... manter o foco, sabe? Dai um certo dia fiz uma prova de matemática e tirei zero... continuei mal... no fim perdi na matéria (...)

Eu olhava com atenção, ela falava girando dois anéis pretos que tinha nos dedos.

-... acho que foi a primeira vez que me senti desesperada. Não pela nota, mas porque sabia que assim que minha mãe descobrisse, ela iria brigar comigo. Pensando agora não era nada muito sério, talvez exagero de criança, mas pra mim parecia o fim do mundo. Eu tinha que ser a melhor em tudo, assim como o Igor foi (...)

Abraço minhas pernas e apoio o queixo em meus joelhos enquanto escuto ela falar.

-... daí eu comecei a ficar bem estressada tentando esconder. Falsifiquei a assinatura em meu boletim. Escondi isso por cinco dias, o estresse foi me corroendo. No terceiro dia me lembro de quebrar um porta caneta do Mickey que eu tinha, era de vidro, cortei aqui no ladinho do pé. (Ela amostra.)

- Quebrou?

- Joguei no chão.

Arregalo os olhos. Eu estava cada vez mais ansiosa, queria entender o que ela estava tentando me dizer.

- Te prometo que já estou chegando no fim. (Ela me fala um pouco inquieta.)

- Não estou com pressa. (Seguro sua mão.)

- Bom... no quinto dia a diretora ligou pra minha mãe, eles descobriram que eu falsifiquei a assinatura. Acho que foi a primeira vez que ela brigou muito sério comigo, ela se chateou, me colocou de castigo... cortou minha mesada.

- Pera, você tinha mesada com 11 anos?

Estava chocada. Rico precisa ser estudado.

- Você não?

- Eu e mais de 99% dos brasileiros não.

Rimos discretamente.

- Enfim... eu fiquei muito, muito estressada nesse período. Meio que desencadeou algo em mim. (Ela fala meio receosa.)

-Tipo algo psicológico?

- Não é TEI. (Ela fala com urgência.)

- TEI? (Franzo a testa.)

- Transtorno explosivo intermitente...

- Nunca ouvi falar.

- Tudo bem... não é isso, tá? Pode ficar tranquila. (Ela analisa minhas expressões.) É algo mais brando, não tão grave e acontece raramente. Só se eu estiver com muito, mas muito estresse.

- Você está dizendo que as vezes em determinadas situações você precisa aliviar seu estresse assim?

- Não sei bem se é um alívio... mas isso acontece. No dia que sai de sua casa joguei o celular no chão e a tela quebrou. Minha mãe tinha ligado, me falado algumas coisas... Foi isso que parei de desabafar naquele dia. Eu ia falar de como essas discussões com minha mãe me afetava, mas não acho que seria uma conversa pra ter antes da gente namorar, né? Imagina, a gente nem tinha começado isso de fase teste.

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