Minho*
O dia podia ser uma bosta. Simplesmente horrível. Alguém até poderia cuspir na minha cara, pisar no meu tênis, ou até mesmo roubar meu lugar dentro do trem. Porém, sempre que eu via ele ali, bem paradinho, só me esperando, fazia meu corpo transbordar de alegria.
Toda vez que eu enxergava o número 23 estampado, me transformava no maior corredor do mundo pra não perder a chance de descer na porta da minha linda casinha e de quebra, ouvir as fofocas das pessoas (normalmente idosas) sobre outras que moravam ali no bairro.
Facilmente poderia fazer um monólogo de como eu amo entrar nesse ônibus e de como parece que meu dia foi completo com ele, porque acho que a maior felicidade do jovem proletariado, é pegar um transporte público vazio e, de novo, parar de frente com sua casa, sem se preocupar com assalto, chuva ou ladeiras a serem subidas após um dia inteiro que viveu no centro da cidade.
O melhor disso tudo, era que não necessariamente o ponto era no portão de minha residência maravilhosa, mas sim que como nas paradas finais não haviam tantas pessoas dentro dessa tralha que o governo jura que reformou, o motorista, senhor Jung, fazia questão de parar na casa ou no lugar mais próximo que alguém o pedia. Ele era bem legal, o maior de todos na minha concepção, invejava demais seu bigode grisalho e o cabelo bem alinhado com os fios pra trás. Um senhor de alta classe, eu diria.
Bom, mais um dia havia se passado, já era sexta feira e após correr para dentro do terminal, suspirei calmo, segurei minha bolsa e entrei no n°23, dando boa noite ao Jung e passando meu crachá, um tanto ofegante pela corrida mas logo me recompondo, levantando o olhar e me assustando de leve.
Assim, não que eu seja apegado ao meu lugar no acento do canto direito, elevado e perto da janela, mas normalmente essas horas da noite, não haviam muitas pessoas no ônibus e aquele lá costumava ser meu lugar, então dá pra se imaginar a minha confusão ao ver um jovem (rebelde, safado e corajoso) sentado, novamente sendo dito, no meu lugar.
Eu, como uma pessoa madura que sou, decidi sentar bem do seu lado, ignorando a dúzia de cadeiras livres pelo ônibus. Ninguém mandou ser abusado e sentar no banco que é meu por direito, se duvidar, o estofado já estava até com o desenho perfeito da minha bundinha estampado nele.
Me acomodei ali e apoei a mochila deitada em meu colo, fazendo um breve bico por perceber que meus fones não estavam comigo, revirando os olhos e observando ao redor pra ver se demoraria muito a partida, já que das vantagens de pegar o 23, a maior das desvantagens era sua demora, pois como morador do último ponto, levava cerca de 1 hora até chegar em meu destino. Seria a 1 hora mais extensa da minha vida.
Tentei, como distração, fazer uma das minhas maiores pilantragens, já que assim que o Jung pisou o pé no acelerador (vamos deixar bem claro aqui que ele é um doce mas é louquinho, sempre tentam por outra pessoa pra dirigir o 23 pra poder colocar o velhote numa linha menor, mas a voz do povo é a voz de Deus, então ele sempre retorna, já que nenhum outro é igual a ele), o intruso do meu lado puxou o celular que estava com o brilho mais alto do que o da minha mãe e começou a mexer.
Veja bem, eu não sabia quem ele era, nunca o vi nesse ônibus e eu pego na maioria dos dias, então me faz ter curiosidade saber o que ele está fazendo, talvez nunca mais o veja aqui, talvez só esteja indo visitar a avó ou sei lá, então uma olhada na sua vida pessoal não seria nada demais, seria apenas mais uma fofoca pra terminar o dia com a saúde boa e poder contar tudo ao Hyunjin quando chegasse em casa.
Pisquei algumas vezes pra voltar minha atenção no que queria, pois meu maior dom da vida é ter um olhar periférico surpreendente, então continuava a mexer no meu Twitter enquanto dava aquela olhada no celular alheio.
Por enquanto não tinha nada demais, vendo quase que a mesma coisa que eu no mesmo aplicativo, julgando seu gosto para humor e música, já que também abaixou a barra de notificação e vi o que ouvia. Poderia facilmente namorar com ele, mesmo se for feio (estava de máscara), porque a única coisa que precisava para me conquistar, era ouvir Conan Gray.
Enfim, nada de muito drama acontecia, logo saí do meu próprio Twitter e fui rumo ao Instagram, sendo só mais fútil no que tinha ali e quando menos espero, toma! Ele entrou onde eu estava almejando, o aplicativo de conversa.
Usei todo o meu dom de disfarce e continuei a rolar minha tela, observando onde ele iria parar, já que haviam uma boa quantidade de notificações ali. Não me surpreendeu quando parou na conversa de alguém que já estava fixado lá no topo, o tal do "bestie" e também não tinha nada de relevante pra passar para o Hyun, pois só estavam falando do dia e de como a matéria de hoje havia sido cansativa de chata e bla bla bla.
Voltei a me distrair com meu próprio celular ao ver que o grupo de amigos, que também era o grupo da casa, tinha mensagem nova perguntando onde que eu já estava.
Respondi rapidinho e foi o bastante pra o desconhecido trocar de chat e falar com outra pessoa cujo o nome estava longo demais para que eu conseguisse ler tudo, o que sei é que ali o negócio estava bom, já que era cada textão de ambos os lados.
Obviamente não consegui ler tudo, apenas o que precisava para entender o contexto da situação e era um dos melhores, entrava no meu Top3 melhores fofocas de ônibus. Tentei não ser tão óbvio nas minhas ações e fui vendo no que dava, até ele próprio se frustrar e desligar o celular, soltando um "é foda viu" pra si mesmo em sussurro.
Basicamente, a pessoa de nome enorme, estava tentando se explicar por traições antigas até (isso explica o Conan Gray tocando) pelo o que vi das datas comentadas, querendo voltar com o rapaz, o qual estava sendo bem coerente, discordando e negando tudo, se perguntando nas mensagens o porquê de ainda cair no papo da outra que falava querer manter a amizade pra não estragar o grupo social o qual faziam parte e bem, aquilo terminou com ela levando block.
Eu o achei certíssimo, levaria como lição de casa, já que os arranhados do teto do ônibus, eram por minha causa, pois o tanto de chifre que coube na minha testa, não estava nem escrito por Deus.
Voltando pra realidade, olhei para fora da janela e vi que boa parte do percurso já havia passado, estava há uns 10 minutos de casa, o que me fez ficar mais alerta, guardar o celular e nem ligar para o estranho, ele tinha guardado também, então não tinha mais utilidade pra minha atenção.
Eu já estava até que mapeando tudo de como que eu iria repassar para meu amigo, até que sou tirado dos meus devaneios quando o menino me cutuca no ombro.
Olho pra ele de imediato, meio perdido por aquele chamado.— Oi, boa noite. Desculpa por incomodar, mas sabe me dizer se falta muito pra chegar no ponto final? – perguntou pra mim, achei fofo os olhos arregalados e o tom preocupado, mesmo que abafado pela máscara.
— Depende de onde quer descer, como o ônibus é rotativo, não tem um ponto final específico. Eu desço na última rua que ele passa antes de fazer o trajeto até o terminal novamente, pode descer no mesmo lugar se onde quer chegar não for no final da ladeira.
Expliquei da melhor maneira possível, já pondo a mochila nas costas e saindo do banco, me segurando na barra pra poder chegar mais perto da porta, ainda mantendo olhar grudado no dele, esperando alguma resposta.
Ele não demorou para concordar e também pegar a bolsa, saindo do banco e parando ao meu lado.
— SENHOR JUNG, PODE PARAR NAQUELA ÁRVORE, POR FAVOR?
Gritei para o velho, que logo respondeu com um "tá" mais demorado e foi freando o ônibus, abrindo as portas.
Agradeci antes de descer as escadinhas e vi o estranho fazer o mesmo.Sorri gentilmente para o garoto e o vi abaixar a máscara até a beirada do nariz.
— Obrigado pela ajuda. Ah, você é um péssimo bisbilhoteiro. – deu uma risadinha e saiu andando até umas quatro casas pra frente.
Arregalei meus próprios olhos e suspirei até demais por ele não ter ficado pra esperar alguma resposta, me fazendo entrar em casa o mais rápido possível e quase me tremer por inteiro de pura vergonha.
Já agradecia mentalmente por não ter que ver mais aquele menino, ou eu genuinamente não saberia o que fazer, nunca tinham me pegado no flagra antes, então realmente essa é a parte boa de não vê-lo mais.Bom, pelo menos foi o que eu pensei.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Sempre no 23 !¡ minsung
FanfictionTodo dia, Jisung pegava ônibus pra voltar para casa e se sentia privilegiado por poder escolher entre o n° 15, 20 e 23, mesmo que (quase) sempre optasse pelo n°20. Ou Onde Minho amava pegar "seu" n°23, já que o motorista parava de frente ao portão...