Casais

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Ao fim do ponto central do relato, Malik fez questão de acrescentar sobre a chegada do delegado em gestão na época, Domingos Jorge Velho, pai de Edgar. Conhecido por ser um homem muito inteligente, forte – além de carrasco e assassino de povo negro e também dos nativos, e um fervoroso defensor da superioridade do povo branco – e um ávido defensor do conservadorismo na região de Vila Liberdade.

Segundo o relato de terceiros, Jorge Velho fazia parte de uma seita secreta, e naquela noite, alguns dos membros estavam realizando um ritual na floresta, uma cerimônia a Baco, que por sua vez já havia sido proibida e condenada pela igreja dominante do país, que na época ainda regia as leis junto ao governo. Contudo, Jorge Velho negou todas as acusações, e todos que o acusavam sumiam misteriosamente.

Na noite em questão, quando Jorge Velho ouviu o tiro e foi até o local, encontrando assim o jovem Nyuni baleado, e segundo Malik, Ghedi já havia escondido a arma do crime – arma essa que, posteriormente foi entregue a Paki. Naquela noite Nala, Ghedi e Dajan mudaram por completo.

Nala deixou de ser a garota doce e amigável, tornou-se uma moça séria de poucos amigos, passando a não confiar em ninguém. Ghedi, cortou os laços com os ancestrais, terminou o namoro e passou o último ano letivo isolado de todos, inclusive do melhor amigo, isso porque Paki queria saber o que havia acontecido de fato na noite em que o irmão foi preso, mas Ghedi, pensando em proteger o amigo de todo turbilhão de informação, decidiu não tocar mais no assunto.

Quanto a Dajan, antes que o delegado Jorge Velho chegasse a cena do crime, surtou e correu para mata adentro, sendo encontrado uma semana depois, sem controle algum de suas faculdades mentais. Estava delirando e conversando sozinho, apresentava sintomas de bipolaridade severa, tornando-se agressivo, de modo a não reconhecer ninguém além de sua irmã Nala.

Ao fim da conversa, tanto Malik quando o Delegado estavam bêbados, Edgar, como uma forma de agradecimento comum entre pessoas entorpecidas, deixou os cigarros, uma caixa de fósforo e o resto da garrafa de Whisky, e se foi.

Por mais tenso e conturbado tenha sido o dia, o entardecer do domingo tranquilizou os ânimos. A brisa fria sacudia desde as folhas das árvores aos vestidos das garotas que caminhavam pelas ruas com seus pares. O céu avermelhado, que segundo os antigos, anunciava a noite fria que estava por vir, encantava os namorados que conversavam nas praças degustando alguma coisa não saudável. E os amantes que se embrenhavam nas clareiras da mata, desconsiderando o perigo que assolava a cidade.

Kito e Amara eram mais prudentes, poupavam palavras e exageravam nos beijos, sentados um frente ao outro numa rede branca, ouvindo ao fundo o corre-corre ligeiro do cachorro da casa ao lado, que nitidamente era de uma raça estrangeira, latia desesperado entre uivos e choros, sozinho e cismado, provavelmente sentindo saudade dos donos que, pelas luzes apagadas aparentavam não estarem presentes no lar.

— Sabe — disse Amara, ainda com os lábios, tingidos num tom vinho, colados aos do namorado —, se eu soubesse que minha mãe chegaria tão tarde, eu teria te chamado para vir para cá me fazer companhia.

— Espera um pouco — Kito afastou o rosto —, a que horas sua mãe chegou? — franziu a sobrancelha como se tivesse uma teoria.

— Sei lá, por volta das três da manhã eu acho, por quê?

— Eles são demais — Kito sorriu —, meu pai chegou por volta das três também, e chegou cantarolando uma música engraçada.

Ficaram fazendo piadas sobre músicas e até cantando por alguns minutos, contudo a diversão foi pausada pelo bipe do relógio de Amara, indicando o horário do remédio do tio.

O casal foi até a cozinha, onde prepararam juntos o lanche que acompanhava os remédios toda tarde. Amara respirou fundo, se prontificando para cumprir com a tarefa rotineira na ausência da enfermeira Amélia que cuidava de Dajan durante a semana.

Covardes Não Tem Final FelizOnde histórias criam vida. Descubra agora