A Órfã

30 6 49
                                    

Enquanto Nala voltava para casa a fim de pegar os documentos deixados por Sandra, Luena saía do carro, estacionado frente a casa de do falecido Ivo. Angela caminhou para a porta da frente, respirou fundo e abriu-a, adentrou o lar receosa, ainda não não havia processado bem as informações dos dias anteriores.

A casa estava silenciosa, aparentava não ter mais ninguém ali. Angela caminhou pela sala de estar, encarando os porta-retratos, sentia algo ruim ao vê-la mais jovem no colo do falecido pai adotivo, talvez fosse nojo, agora que tais coisas sobre Ivo foram escancaradas a todos.

— Meu bem — Luena se aproximou, tocando a namorada nos ombros —, tudo bem? Se quiser pode esperar no carro — sugeriu, com o meio sorriso consolador comum em tais situações. — Eu vou até seu quarto e pego suas coisas importantes, pode confiar, eu consigo.

Angela sorriu, agradeceu a namorada por se oferecer, mas declinou daquele favor. Subiu as escadas com dificuldade, era como se carregasse um grande peso nos ombros, processando os últimos acontecimentos, arrastava sua alma pesada. O luto pelo pai e por Eliza, que apesar de terem feito tudo que fizeram, foram pessoas importantes na vida da garota. Pessoas com quem Angela dividiu uma parte da vida, rotina, e muitos sentimentos.

A garota abriu a primeira porta a esquerda depois da escada, ao lado havia a porta do banheiro. No lado direto tinha a porta do quarto dos pais, e ao fim do corredor uma grande porta que dava para uma varanda.

Luena encarava tudo ao redor, não era a primeira visita à aquela casa, mas estava tensa, algo naquele ambiente estava diferente desde a última vez que esteve ali, mas não saberia dizer o que era. Talvez a escuridão, o silêncio, os novos quadros no estilo cubista, ou as novas esculturas que mesclavam desde réplicas das estátuas da Ilha da Páscoa, a máscaras de origem Celta e estátuas no estilo grego.

Ou talvez o que mais a incomodasse, fosse o cheiro difícil de identificar, mas que facilmente fez com que as duas garotas torcessem o nariz. Contudo não falaram sobre aquilo, não falaram sobre nada, apenas entraram no quarto. Luena caminhou até a janela e puxou as cortinas, enquanto Angela pegou uma mochila e pôs-se a pegar itens que julgava necessários. Roupas, desde a casacos a peças íntimas, cosméticos de cremes corporais, cremes para o cabelo, a um ou dois perfumes, e maquiagens no geral.

— O portão de trás está aberto — comentou Luena, observando o mesmo bater pelo vento —, quando descermos eu vou lá fechar, está batendo demais.

— Acho que meu pa... O Ivo deixou aberto quando... Ah, você sabe... — comentou Angela, catando alguns itens de higiene pessoal e colocando-os numa pequena bolsa.

Luena não disse nada, sabia o quanto estava sendo difícil toda aquela situação para a namorada. O portão ainda batia, mas a medida que o vento oscilava na velocidade, o gradeado se sacudia menos. A ausência das batidas, deu lugar a um rangido, lento e arrastado, repetitivo e irritante à audição frágil da jornalista. Contudo, mesmo o som sendo insuportável, a garota não parava encarar o movimento do portão, o rangido ora era mais grave, ora mais agudo. Ecoava pelo ambiente numa frequência estranha, como se fizesse as coisas tremerem, e em meio a azucrinação, ouviu-se um som ao fundo.

A garota que encarava o portão, não o via apenas, ou estava entorpecida pelos analgésicos, ou algo de muito errado estava acontecendo ali. Havia um garoto que segurava o portão, e o balançava devagar — Fabrício? —, a boca do garoto se mexia, e de algum jeito Luena consiga ouvir o que ele dizia.

— Vocês têm que ir embora desse lugar, a cidade está condenada, os filhos do Favorito do Abismo devorarão a todos, os ancestrais não conseguirão proteger vocês, não mais...

— Nós já estamos indo, viemos só pegar algumas coisas — Luena sussurrou.

— O quê? — perguntou Angela.

Covardes Não Tem Final FelizOnde histórias criam vida. Descubra agora