Duas Moças Baleadas

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Sobrevoando a mata, o pássaro — tido como esquisito — observa tudo. Dessa vez não havia ninguém vestido de branco, havia poucas pessoas na mata por sinal. Apenas alguns jovens namorando e se drogando, os guardas, e claro, Akin Daren também caminhava pelas trilhas em meio a mata, com seu bornal repleto de plantas, galhos e pedras pequenas — talvez tudo aquilo fosse para os amuletos que o velho tinha mencionado.

Seguindo rumo ao desfiladeiro, a ave pode ver o quanto a situação progrediu. Eliza estava a beira da pedreira —mas não tão perto de cair —, envolvia o pescoço de Angela com uma mão, e o cano gelado da arma estava encostado na cabeça da garota.

Angela estava imóvel nos braços da "namorada". Não chorava nem tremia, tampouco piscava os olhos, a garota se encontrava em estado de choque, enquanto Luena tentava a todo custo argumentar com Eliza, a fim de acalmá-la, mas sem sucesso.

— Você simplesmente rouba a minha garota, debaixo do meu nariz e me pede calma, sua imunda?

Eliza demonstrava total descontrole, os olhos arregalados e a conduta agitada — sem mencionar os resquícios esbranquiçados próximos ao nariz — denunciavam o possível motivo do descontrole.

— Ninguém roubou nada de ninguém aqui, ok? Somos pessoas, e cada um tem o direito de fazer suas escolhas...

— Pois é neguinha, só que toda escolha tem sua consequência não é mesmo? — Eliza ainda segurando a arma, esfregava as costas da mão no nariz como se tentasse limpar algo — E a da escolha das escolhas de vocês, é a morte, assim como a escolha da minha mãe.

A garota gargalhou escandalosamente, olhando para o céu e poucas nuvens.

— Eu avisei: "Se ajudar a neguinha assassina, eu mato você!" — dizia como se houvesse uma quarta pessoa ali, bem ao lado dela — Ela não deu a mínima pra mim, pros meus sentimentos, porra! Foi até a delegacia e tirou você do lugar de onde não deveria ter saído, lugar onde a sua família deveria estar, na cadeia, sua vagabunda, ou melhor, seu vagabundo, marginal de merda.

Tais palavras penetravam mais fundo que uma lâmina afiada, chegava a lugares onde nada material conseguia alcançar, trazendo a Luena os piores sentimentos possíveis, as piores sensações que alguém pode sentir, aquelas que não se é possível descrever, pois faltam palavras ruins.

— Desde sempre sua família tem destruindo a minha — rosnou Eliza despejando saliva nos cabelos de Angela, que até estavam soltos naquela manhã —, primeiro meu irmão, depois meu pai, agora minha mãe... E minha doce garota — beijou testa de daquela a qual segurava. — Sua família tirou tudo de mim, agora eu vou matar toda sua família, isso é a justiça.

Luena não fazia a mínima ideia sobre o que Eliza estava falando, mas a garota fez questão de explicar o motivo de sua raiva. Mencionou que o irmão havia sido umas das vítimas do massacre há trinta anos, na época o garoto era um seminarista — estudava para ser clérigo.

— Depois que seu tio Malik matou meu irmão, meu pai entrou numa depressão profunda — disse Eliza —, foram dez anos de tristeza, até que ele não suportou mais, mesmo após meu nascimento, o que minha mãe imaginava dar alegria de novo para ele — ela pausou, fungou e sacudiu a cabeça. — Ele não aguentou tanta tristeza e suicidou, e eu tinha apenas um aninho.

Ao relembrar das histórias contadas pela mãe, Eliza pôs-se a tremer abruptamente. Um choro escandaloso veio, as lágrimas inundaram os olhos, rolaram pela pele branca pálida, achando repouso nos cabelos de Angela, que voltou a si naquele instante.

— Você não tomou seu remédio hoje, não é mesmo? — perguntou Angela a Eliza— Sabe que não pode ficar sem ele.

— Não venha com essa — esbravejou Eliza —, os remédios só servem para nos prender, nos impedir de ser quem somos e esconder nossa essência...

Covardes Não Tem Final FelizOnde histórias criam vida. Descubra agora