A Maldição de Édipo

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Nala nem se lembrava da última vez que se sentiu daquele jeito, enfurecida e impotente ao mesmo tempo. Tinha ciência que, se Angela não tivesse feito algo, Amara estaria morta, e a ideia de que poderia ter perdido a filha sem nem ter tido a chance de tentar salvá-la, a deixava muito irritada, fazia-a questionar competência como policial, e como mãe.

"Se eu tivesse me empenhado mais nas buscas, ou talvez pedido ajuda aos guardas quando a procura pela mata, tudo isso teria sido evitado..."

A raiva e repulsa, percorreriam pelo interior da policial naquele fim de tarde quando soube sobre o ocorrido no porão de Ivo.

"Como aquele filho da mãe teve a coragem de apontar uma arma para minha filha? Eu mato aquele desgraçado!"

Era tudo que passava pela mente mãe enfurecida, dirigindo a viatura — acompanhada de mais três policiais — pela estrada de terra sem iluminação que corta a mata.

Os demais policiais — com exceção de Jamal —, estavam confusos, alguns até se sentindo enganados por Ivo, outros ainda duvidavam sobre o homem ter cometido tais crimes. Eram poucas as pessoas na cidade que conseguiam conceber a imagem de um homem como Ivo sendo um possível criminoso, a saber que Ivo sempre foi um homem de boa aparência, frequentador da igreja, "uma ovelha de muita fé" alguns diriam. Um homem conservador que preservava os bons costumes e nunca esteve envolvido em escândalos.

— Ele está indo sentido São João do Bom Amparo — disse um policial pelo rádio —, deve passar pela estrada da Zona Segura dos guardas.

Nala adoraria a ajuda de Paki naquele momento, com o conhecimento que o amigo tinha a respeito daquela mata, talvez fosse mais fácil pegar o fugitivo, mas não seria certo tirar o pai de perto da filha que ainda estava no hospital. Os policiais pegaram apenas alguns mapas especiais com os guardas que estavam na guarita, mapas que mostrava todas as estradas e trilha, cada caverna e abrigo, e cada saída que dava em outras cidades.

O sol já não clareava mais a cidade, a vermelhidão havia tomado conta do céu, a noite se aproximava lentamente, mas mata adentro já era noite. A mata densa por si só tinha um aspecto amedrontador, a chegada da escuridão só aumentava o clima aterrorizante, os vultos rápidos por trás dos arbustos, os olhares brilhantes a espreita escondidos nas árvores, os cantos dos pássaros, o piar das corujas.

O bater de asas dos morcegos e o caminhar rasteiro de alguns animais, o som dos galhos se sacudindo ao vento se misturando com os dos córregos e riachos que como veias num corpo vivo, se ramificam por toda a mata. O cheiro doce das flores de Damas da Noite, amenizam o clima pesado, contudo, em alguns trechos da mata o aroma adocicado se misturava com um odor pútrido. Era como se ali tivessem incontáveis cadáveres sobre a terra, amontoados exalando o cheiro de morte. Nala fechou as Janelas, mas não amenizou em nada o fedor, parecia ter impregnado no interior da caminhonete.

— Credo, que nojo — reclamou um dos policiais —, não sei com os jovens conseguem ficar nessa mata a noite namorando, no meu tempo não esse lugar não era assim!

Instaurou-se uma zombaria entre os policiais acerca da adolescência de cada um, Nala, porém, se manteve focada na estrada. Era como se estivesse sozinha no carro, sequer ouvia as vozes dos demais policiais, tudo que ouvia era o som motor, e do ar-condicionado. Ao fundo, mas não tão longe, podia ouvir um assovio, era um som conhecido, uma melodia que já havia escutado antes, mas não conseguia identificar nem qual música estava sendo assoviada, nem quem o fizera.

— Que diabos é isso? — sussurrou Nala, olhando para os lados, a fim de avistar aquele que assoviava pela mata durante a noite.

A sensação de ser observada era cada vez maior. A luz dos faróis faziam os olhos dos bichos brilharem em meio a mata, alguns corriam de medo, outro ficavam no mesmo lugar, apenas vendo as viaturas passarem. Um novo odor invadiu o ambiente, mesmo com os vidros fechados — o ar-condicionado trazia o aroma de fora. Aquele cheiro era familiar para a policial, assemelhava com odor produzido quando se queima os pelos do braço, isso, combinado com o forte cheiro de fezes de aves.

Covardes Não Tem Final FelizOnde histórias criam vida. Descubra agora