Cap quatro

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Não volto pra casa na mesma noite, nem na madrugada, só quando a manhã surgiu, quando eu já procurei em todos os lugares, revistei todas as casas próximas, quando já sufoquei o ar de esperança em achar o que a anos atrás roubaram de mim, resolvo voltar pra casinha na árvore.

A única coisa que achei na cidadezinha mais próxima foi uma represa, que tem um rio muito bom para se treinar dobra d'água, poucos dominadores de fogo pra manter a ordem e segurança da cidade e muitos, muitos civis, de crianças de colo, até senhores de idade, as crianças grandes não estavam a vista, algo sobre "voltam esse final de semana" me faz acreditar de que estão em uma das famosas escolas de doutrinação da Nação do Fogo. Mas o resto era feliz da maneira que podia.

Observei o padrão dos soldados e são iguais aos soldados de muitas cidadezinhas que são consideradas como "colônia no reino da Terra", cidades dominadas pela nação do fogo, que seguem seus ideais. Nenhum dominador além de dominador do fogo pode dominar, muitos que nascem com dominação da terra escondem seus poderes pra não serem mandados pra outro lugar. Mas pelos poucos dominadores que vi fazendo trabalhos de casa, acho que os soldados passam um certo pano pra eles.

Não são um risco, não são agressivos e nem manipuladores, um pouco arrogantes talvez, mas a maioria desses soldados criaram uma família nessa cidadezinha abaixo da represa.

Começo a caminhar de volta até o esconderijo, observo o silêncio gostoso ao meu redor. Observo o vento passando pelas folhas vermelhas pelo outono chegando.

"Tropeço em um galho. Tento enxergar o chão abaixo de mim, mas meus olhos estão inchados demais pelas pancadas que recebi por roubar comida. Sinto as folhas craquelando nas palmas das minhas mãos cortadas pela vara que bateram.

Cansada de andar, me encolho entre as folhas, mas minha mente me obriga a levantar, me obriga a continuar, me obriga a não descansar até achar um lugar melhor pra dormir.

Eu nunca vou achar nenhum lugar pra dormir, mas me obrigo a andar pra me afastar cada vez mais daquele lugar. Não posso parar, preciso ignorar os machucados, preciso ignorar meus pés mutilados, preciso ignorar a dor crescendo em meu peito

Não posso ser fraca"

Balanço a cabeça ignorando as lembranças e as guardando atrás da muralha em minha mente.

Tomo cuidado em não ser seguida, mas quando estava perto do esconderijo escuto um barulho suave do farfalhar de folhas, qualquer um pensaria que fosse o vento, mas sinto seu coração pulsando, escuto levemente o barulho de seu sangue correndo pelas veias e sei que ele está com um machucadinho no braço esquerdo.

Um barulho na minha esquerda me chama a atenção, estão tentando me distrair.

Me viro fingindo cautela, dou um passo pra trás levando minha mão suavemente pra dentro do bolso da minha calça. Encarando o local a qual veio o barulho tiro duas facas pequenas dos meus bolsos. Sorrio pela audácia dessas crianças idiotas.

Jogo as facas em direção aos dois escondidos atrás de mim, um deles pula desviando, mas o outro é atingido na orelha e acho que o susto o faz cair da árvore.

O garoto gordinho de cabelos lisos cai a uns dez metros. Uma de suas mãos estava na orelha que sangrava e a outra em um facão que estava apontado pra mim.

O outro, cabelos curtinhos escondidos por um chapéu de palha, rosto anguloso, nariz fino e grande, lábios finos, olhos puxados e pretos, ele é magro e pelo menos trinta centímetros mais alto que o baixinho. Ele pula da árvore ficando ao lado do amigo, o arco e flecha apontado em minha direção.

— que merda você tá fazendo? - o baixinho grita tremendo de raiva

Fecho os olhos me concentrando, sinto o que queria e seguro um sorriso mordaz

Don't Blame Me - ZukoOnde histórias criam vida. Descubra agora