5 minutos ou 50 anos

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Duas horas e trinta e nove minutos.

Foi o tempo que eu fiquei sentado no chão, na frente da porta que levava até as salas de atendimento de emergência do hospital, sem qualquer notícia.

Eu havia entregue aos médicos a minha mulher e a minha filha, depois de dez minutos de trânsito do lugar do show até chegar ao pronto socorro. E, desde então, fora o mais profundo silêncio.

Havia momentos em que parecia que cinco minutos tinham se passado desde que eu sentara ali. Outros, eu sentia que já estava há cinquenta anos esperando por alguma notícia delas. Em alguns momentos, na verdade, eu nem sabia dizer se queria receber alguma notícia. Não se não fosse para me dizer que as duas estavam bem e que aquilo tudo só tinha sido um pesadelo.

Apesar de ser madrugada, a sala de espera estava relativamente movimentada. A cada minuto surgia mais alguém desesperado por ter recebido a notícia de que a Maraisa estava internada. A primeira reação de todos era vir perguntar se eu estava bem.

Mas eu não estava. Eu sentia que estava prestes a explodir de raiva, agonia e, principalmente, de medo. As lágrimas já haviam parado de descer há quase uma hora. Não tinha mais choro que aliviasse aquilo.

Dona Almira, Marco César, Bruno, Maiara, Mioto e Paulinha estavam ali próximos, sentados, todos visivelmente aflitos. Volta e meia, como se estivessem fazendo um rodízio, um deles levantava e se agachava do meu lado para me perguntar se eu queria algo. 

Eu balançava a cabeça, em sinal negativo. A única coisa que eu queria, nenhum deles podia me dar: minha filha e a minha mulher.

Durante todo aquele tempo, eu tentei me distrair de todas as formas possíveis: tentei prestar atenção no programa que passava na televisão. Tentei me entreter com a conversa das enfermeiras sentadas ali perto. Cheguei até a acompanhar de forma contínua o trajeto do ponteiro dos segundos no relógio analógico pendurado na parede na minha frente.

A única coisa que eu não tive coragem de fazer foi pegar o celular. Eu sabia que teria mil mensagens não lidas e notícias falando sobre a Maraisa. E eu não queria ler aquilo. Parecia que, caso eu não lesse nada sobre, tudo pareceria um pouco menos real.

"Elas estão bem" - repeti, mentalmente, pela milésima vez - "Maraisa deve estar tomando soro. Deve ser só uma fraqueza". 

Senti Maiara se aproximar de mim, pela terceira vez desde que estávamos ali. Dessa vez, ela não disse nada. Apenas estendeu um copo de água para mim, visivelmente tirando forças lá do fundo da alma para me dar um sorriso fraco de encorajamento.

Não tive forças sequer para agradecer. Tentei sorrir de volta, mas eu me sentia completamente paralisado pelo medo. Até respirar era uma tarefa difícil. Parecia que tudo por dentro doía, misturado com um sentimento de vazio enorme. Como se tivessem arrancado um pedaço do meu peito e levado para longe de mim.

O vazio, em alguns momentos, dava lugar à culpa: como eu não tinha percebido que ela estava tão mal assim? Como eu deixara ela subir no palco?

Me conhecia o suficiente para saber que, se fosse qualquer outra pessoa no mundo, eu teria imposto a minha vontade. Sem discussão, sem meio termo. Mas era a Maraisa. E aquela desgraça de mulher fazia o que queria comigo. Tudo e mais um pouco.

Senti que eu tinha voltado a chorar. Maiara se levantou de novo e foi até mim, dessa vez sentando do meu lado, os olhos vermelhos e inchados me encarando, pesarosos.

- Estamos indo para o hotel. Provavelmente não teremos novidades na próxima hora. Papai se ofereceu para ficar aqui esperando notícias enquanto nós descansamos um pouco - ela apertou minha mão, com força - inclusive você.

Bufei, fazendo que não com a cabeça. Não havia chance nenhuma de eu sair dali sem a Maraisa e a nossa "monstrinha". Podia levar quantos dias fossem. 

Maiara assentiu, sem contestar, como se já soubesse que minha resposta seria essa. A gêmea da Maraisa apenas beijou a minha mão, que ela ainda segurava, antes de levantar do chão.

- Você sabe que vai ficar tudo certo. É a Maraisa. Aquela lá não aceita perder. Vai lutar até o fim. Por ela e pela bebê.

Deixei escapar um soluço, escondendo o rosto entre os meus joelhos dobrados. Escutei os passos da Maiara se afastando de mim, enquanto eu travava uma guerra com as minhas lágrimas, tentando segurá-las a todo custo.

Com os olhos fechados, eu só enxergava o rosto da Maraisa, enquanto flashes de momentos nossos se passavam pela minha cabeça: a expressão dela de surpresa ao me rever naquela noite no Rosewood, substituída, em seguida, por um sorriso discreto de prazer. Os olhos escuros cheios de desejo segundos antes de a gente se beijar depois de tanto tempo. O olhar de raiva e desespero quando ela me confrontara sobre a gravidez, achando que eu já sabia. O alívio ao saber que eu não a deixaria sozinha. A surpresa ao ser pedida em namoro. O êxtase em sentir o primeiro chute da "monstrinha".

Mas, no instante seguinte, o filme terminava com a imagem do último suspiro dela antes de desmaiar: os olhos escuros transbordando medo e dor, coisa que ela raramente deixava transparecer, os lábios murmurando para que eu salvasse a nossa filha.

Abri os olhos e bebi um gole longo do copo de água que Maiara me dera, que eu ainda segurava com mais força do que o necessário, quase amassando o plástico e virando todo o conteúdo em mim. 

Aquilo tudo não fazia sentido, a ponto do meu medo e da minha culpa serem substituídos parcialmente por um sentimento de raiva.

Qual era o objetivo do destino em devolver a Maraisa para a minha vida depois de três anos, me dar uma filha, me fazer o homem mais feliz do mundo, para depois me tirar aquilo, como quem rouba doce da mão de uma criança?

Olhei para cima, as luzes claras da recepção bem iluminada quase me cegando. Encarei o teto branco por alguns segundos, respirando fundo, tentando afastar de mim a indignação que me assolara.

"Me tira tudo" - pensei, fechando os olhos, sem baixar a cabeça - "absolutamente tudo. Menos elas".

Duas horas e trinta e nove minutos depois que eu vira a Maraisa pela última vez, a porta que levava para a área da emergência se abriu. Um homem alto, com o rosto coberto com uma máscara cirúrgica, os olhos atrás de um óculos de grau de lentes grossas, baixou o olhar na minha direção, a expressão indecifrável.

- Você é o Wendell Vieira? - ele perguntou, a voz séria.

Fiz que sim com a cabeça, enquanto me levantava do chão, como se tivesse levado um choque do piso, sem conseguir verbalizar nada, sentindo que meu coração ia sair pela boca a qualquer momento.

- Bem que ela falou que você estaria desesperado - pude perceber que ele abriu um sorriso por trás da máscara - elas estão bem. As duas. Maraisa pediu para te dizer que a "monstrinha" é dura na queda - o médico pareceu achar graça do comentário que fizera.

Eu sorri. Um sorriso de alívio. Em poucos segundos, um peso enorme pareceu sair das minhas costas. O ar ficou menos pesado. Meu coração pareceu voltar ao ritmo de batimentos normais.

Olhei para cima, os olhos marejados, sussurrando a única palavra que eu consegui verbalizar nas últimas duas horas e trinta e nove minutos:

- Obrigado.

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Eu não ia publicar hoje. Nem tinha começado esse capítulo até meia hora atrás. Mas eu prometi para uma pessoinha especial que hoje eu publicaria. E promessa é dívida! (e deus me livre contrariar a própria Rauana Guerra hahaha).

Feliz aniversário, meu bem! Já te disse em mensagem, em vídeo e, em breve, pessoalmente, mas nunca é demais lembrar: te amo!

Isso nunca teria ido para frente se não fosse você, seu incentivo e seus elogios. Obrigada por ser a Lily da minha Hannah Montana 🥺💖

ps. durma feliz, a "monstrinha" está bem! Mas não, ela não vai se chamar Rauana Guerra. Aceite. 



Encontro com o passado - MADELLOnde histórias criam vida. Descubra agora