Só lamento

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Respirei fundo, jogada no sofá da área externa, apoiando as minhas pernas cansadas no colo do Wendell, que estava sentado em uma cadeira na minha frente, bebendo o que deveria ser sua décima garrafa de cerveja naquela tarde, depois de todos os convidados e funcionários terem ido embora.

Ele e Gustavo conversavam, empolgados, planejando a viagem para Orlando que pretendíamos fazer dali algumas semanas, para fazer o enxoval dos bebês.

- Eu tô doido para comprar uma fantasia do Buzz Lightyear para a "monstrinha"... - Wendell ainda estava com um sorriso fácil e bobo nos lábios, desde a hora da revelação do sexo.

- Você sabe que é uma menina, né? - Gustavo riu, sentado do meu lado no sofá, o violão apoiado no colo - o confete rosa era menina...

Wendell deu de ombros, virando mais um gole da garrafa de cerveja.

- É uma menina astronauta - ele respondeu, sorridente, me encarando, esperando alguma reação minha.

Eu apenas sorri, enquanto ele massageava meus pés com a mão livre. Minha atenção estava completamente focada em outra coisa: do lado do Gustavo, sentada na ponta oposta do sofá, minha irmã alternava entre encarar a tela do celular e o portão da frente de casa, algumas dezenas de metros distante dali, como se estivesse esperando uma visita indesejada.

- Maiara - eu chamei, encarando-a, fazendo com que ela, no mesmo instante, parecesse sair de um transe - vamos pedir pizza para a gente jantar? Me ajuda a escolher os sabores? Acho que o cardápio está na gaveta da cozinha...

- Eu abro aqui no iFood - Wendell fez menção de pegar o celular de cima da mesa de centro, mas eu o interrompi no mesmo instante, levantando de forma abrupta.

- Não tem todos os sabores no iFood - menti, fazendo sinal para que Maiara me seguisse para dentro.

Wendell deu de ombros, sem parecer achar estranha minha reação, continuando a criar o roteiro da viagem para Orlando com o Gustavo, ambos animados.

Puxei minha gêmea para dentro até a cozinha, onde ela entrou, em silêncio, caminhando até a gaveta onde supostamente deveria estar o cardápio.

- Deixa de ser tola, Maiara - eu ri, fazendo com que ela se virasse para mim na mesma hora - não te chamei aqui para me ajudar a escolher sabor de pizza.

Ela me encarou, séria, antes de dar um suspiro longo e sentar na mesa de granito da cozinha. Maiara era inteligente o suficiente para saber que eu já tinha percebido a aflição dela e não deixaria ela descansar enquanto não me contasse o que realmente estava acontecendo.

- Você não me convenceu mais cedo, na piscina, quando disse que estava tudo bem - falei, sentando do lado dela e colocando sua mão entre as minhas - você não parece, nem de longe, a Maiara empolgada e ansiosa com o chá revelação de hoje cedo. Algo te tirou o brilho e você vai me falar agora o que foi.

Maiara baixou os olhos, encarando os pés, visivelmente nervosa. Pude perceber que ela engolia em seco, claramente lutando para não chorar.

- O Fernando... - ela sussurrou para mim, a voz tremendo.

- O que tem esse bosta? - resmunguei, ainda segurando as mãos dela com força - você já tá em outra, Maiara. Vai ser mãe, tem do seu lado um homem que te ama e te respeita. Esquece esse idiota.

Maiara apenas estendeu o celular na minha direção. Li e reli a mensagem que estava aberta na tela, franzindo o cenho, absorvendo, aos poucos, o que aquilo significava.

"Fiquei sabendo que hoje tem festa aí no Aldeia... Já que você não me responde por mensagem, vou passar aí para a gente conversar pessoalmente".

Encontro com o passado - MADELLOnde histórias criam vida. Descubra agora