Correntes e cadeados

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O sol tinha recém nascido quando tomei coragem de levantar da cama. Já fazia horas que eu estava acordado, pois, na verdade, eu mal havia pregado o olho durante toda aquela noite.

Eu passara mais de horas, depois dela ter adormecido, assistindo sua respiração leve, aninhada no meu peito e enrolada no lençol branco. Minha mente era um misto de alívio, em saber que eu não precisava mentir mais para a mulher que eu amava, mas também de dúvida, em não saber o que aconteceria dali para frente.

Eu sabia que ela ter pedido para eu passar a noite ali era um bom sinal. Maraisa não era o tipo de mulher que demonstrava fraqueza, a não ser que ela realmente precisasse se sentir protegida. E, por mim, eu poderia passar o resto da vida ali, afagando aqueles cabelos escuros e sentindo o calor do corpo dela no meu.

Se, quando eu pretendia bater na porta do quarto dela, eu já sentia que não conseguiria apenas fingir que estávamos juntos, depois daquela noite, eu tivera a certeza. Aquela noite talvez confundisse ainda mais os sentimentos dela, mas era o atestado de que fingir estar com ela era ruim, mas ficar longe era pior ainda.

E eu, de fato, já estava cansado de viver de relacionamentos fingidos nos últimos meses.

Levantei da cama, devagar, tomando todo cuidado do mundo para que a Maraisa não acordasse. Caminhei até a janela e afastei um pouco a cortina, assistindo os primeiros raios de sol iluminarem a rua.

Observei, por alguns minutos, o frenesi de pessoas e carros passando e a cidade, aos poucos, despertando. O comércio começava a abrir naquela manhã de terça-feira, quando observei, lá de cima, uma barraquinha em específico que ficava do outro lado da rua do hotel.

Naquele instante, eu já sabia o que deveria fazer. Com pressa, vesti a calça do terno e juntei as minhas outras peças de roupa. Saí do quarto, fechando a porta com toda delicadeza do mundo, antes de entrar no meu próprio quarto, na porta ao lado.

Não levei mais do que dois minutos para colocar uma bermuda e uma camiseta. Olhei no relógio: eram sete e meia da manhã. Apressei o passo, saindo do quarto e correndo até o elevador, ciente de que ela poderia acordar a qualquer minuto.

Enquanto eu assistia os números diminuírem no visor do elevador, até chegar no térreo, percebi que tinha sido burrice minha não deixar sequer um bilhete avisando que eu voltaria logo. Se a Maraisa acordasse e eu não estivesse lá, com certeza ela ficaria puta comigo.

Tateei os bolsos da bermuda, procurando meu celular, para que eu pelo menos pudesse mandar um WhatsApp avisando que já voltava. Por óbvio, com toda minha pressa de sair, eu deixara o telefone para trás.

Mas tudo bem, eu não iria demorar. Só precisava fazer o que tinha que ser feito.

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POV Maraisa

Eu não queria acordar. Fazia meses que eu não dormia uma noite tão bem dormida quanto aquela. Mas a fresta de claridade que entrava pela cortina mal fechada da janela do quarto fez com que eu me remexesse na cama, despertando, as lembranças da noite anterior voltando aos poucos, fazendo um sorriso sincero brotar nos meus lábios antes mesmo que eu abrisse os olhos.

O motivo de eu ter dormido tão bem era óbvio. Mas eu não queria admitir que, no fundo, eu já tinha perdoado ele. Era incrível como a simples presença do Wendell naquela noite, do meu lado, na cama, tinha feito eu ter a sensação de que, finalmente, tudo daria certo.

Mas eu também me conhecia suficientemente bem para saber que eu era extremamente rancorosa. Queria ter a certeza, antes de cogitar reatar um relacionamento com ele, de que eu tinha, de fato, superado os últimos meses conturbados.

Encontro com o passado - MADELLOnde histórias criam vida. Descubra agora