Sem legenda

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- Será que ela já tá chegando? - perguntei pela milésima vez, tamborilando meus dedos no balcão de granito da cozinha, fazendo com que Wendell revirasse os olhos.

- Amor... - ele contornou o balcão e parou na minha frente, me segurando pelos dois braços e olhando no fundo dos meus olhos - calma. Ela não disse que vinha?

Concordei com a cabeça, fazendo beicinho.

- Disse... Mas sei lá... Pode ter surgido algo de última hora... Ela já desmarcou várias vezes na última semana...

- Maraisa - Wendell me interrompeu, rindo - se acalma. Você parece que tá tão nervosa quanto no dia que foi contar para a sua família que estava grávida...

- Eu tô calma - respondi, irritada, cruzando os braços na frente do peito.

Mas, no fundo, eu sabia que ele tinha razão. Até eu me sentia assustada com o nível de ansiedade que eu estava naquele momento. Talvez eu estivesse há tanto tempo planejando aquilo que eu simplesmente não via a hora de poder, finalmente, contar tudo para a Maiara.

Desde que eu saíra do hospital, cinco semanas atrás, havia sido uma missão impossível conseguir mais do que quinze minutos a sós com a minha gêmea. Maiara estava em uma rotina frenética de shows e reuniões burocráticas com a nossa equipe. Isso porque ela me proibira não só de subir no palco, mas também de administrar qualquer coisa relacionada com as nossas empresas ou até mesmo resolver as questões de logística da dupla.

Eu não tinha dúvidas de que ela estava passando um sufoco para dar conta de tudo. Prova disso era o seu sumiço de casa. Quando ela não estava em show, em reunião, ou em algum outro compromisso profissional, minha gêmea ficava com o Gustavo, organizando as coisas para o casamento, já que ela decidira, recentemente, que queria casar ainda grávida.

Apesar da evidente correria, todas as raras vezes em que eu cruzava com a Maiara e conseguíamos trocar algumas palavras - nunca mais do que alguns minutos antes do telefone dela tocar e nos interromper - minha irmã sempre dizia que estava tudo ótimo e mudava o assunto de imediato.

Mesmo tendo ciência do provável caos que ela estava vivendo, eu sabia que era inócuo insistir em oferecer ajuda ou fazer ela parar. Maiara era, acima de tudo, teimosa e orgulhosa. Ela jamais assumiria que não estava dando conta. Ia fazer o possível e o impossível para que eu ficasse em casa, cuidando de mim e da minha filha, sem correr risco algum.

Sendo assim, não me restou nada a não ser assumir o personagem de "aposentada aos 35 anos de idade": passar o dia vendo Netflix, fuçando as redes sociais, fazendo pilates, ou tentando descobrir algum hobby novo. Tudo isso enquanto assistia minha barriga crescer cada dia mais, ao ponto de, recentemente, eu testemunhar minha primeira peça de roupa deixar de servir em razão da gravidez.

Toda vez que eu achava que ia surtar, depois de tanto tempo desocupada, tentava mentalizar que eu precisava fazer o esforço da Maiara e de todo o resto da minha família valer a pena. Precisava levar minha gravidez até o final, sem colocar ainda mais a "monstrinha" em risco.

Naquele domingo, eu finalmente tinha conseguido combinar de jantar com a Maiara em casa, depois de ela desmarcar pelo menos uma cinco vezes nos dias anteriores. Mas, naquele dia, eu sabia que a minha irmã não teria show nenhum e praticamente tinha ameaçado ela a ficar em casa e jantar comigo, mentindo que eu estava morrendo de desejo de pizza e precisava de companhia para comer.

- Ela disse que chegava às 20h - falei para o Wendell, levantando o olhar na direção do relógio pendurado na parede da cozinha - faltam dez minutos.

Encontro com o passado - MADELLOnde histórias criam vida. Descubra agora