Campo minado

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Eu já tinha passado da quinta dose de uísque quando escutei a porta da frente abrir. Como esperado, Luísa entrou em casa, falando no telefone, sorridente. Assim que me viu jogado no sofá, o copo na mão, ela fechou a cara.

Depois de largar a bolsa no aparador da sala, ela se despediu da pessoa do outro lado da linha, desligando a ligação e colocando as duas mãos na cintura, me encarando, séria.

- Wendell... A gente tinha combinado que você ia parar de beber até o casamento, lembra? A cerimônia é daqui vinte dias...

Concordei com a cabeça, largando o copo na mesa de centro.

- Cheguei a conclusão que só bebendo muito para eu sobreviver até o casamento vivendo nessa farsa enorme - soltei, sem pensar, provavelmente o álcool já tirando o pouco filtro que eu tinha.

Luísa revirou os olhos, dando uma risada, antes de caminhar até a cozinha e abrir a geladeira, enchendo um copo de suco detox.

- Às vezes eu tenho a sensação que você esquece que posso foder com a sua vida e com a da sua ex caipira... Achei que você fosse mais esperto, Wendell - ela sentou do meu lado, passando os dedos gelados pelo meu rosto, devagar, enquanto segurava o copo de suco com a outra mão - achei que a ideia do casamento ia fazer você cair na real que ela nem combina com você... - Luísa aproximou o rosto do meu, quase sussurrando no meu ouvido.

Bufei, afastando meu rosto do dela, antes de levantar e pegar o copo de uísque de cima da mesa.

- Me poupa - falei, caminhando até o bar e servindo mais uma dose - eu sei qual é a sua. Você quer torturar a Maraisa. Quer me torturar - dei um gole longo, sentindo a bebida descer queimando - você vai ter o que quer, Luísa. Vamos casar, vamos ter o filho. Depois, quando as coisas acalmarem, vou fazer questão de ficar o máximo possível longe de você. Só estarei perto o suficiente para ver meu filho crescer.

Percebi que o rosto dela, antes com um olhar sereno e cínico, havia adquirido uma expressão séria. Eu, por outro lado, me encostei no balcão, sentindo um certo alívio. Era a primeira vez em semanas, desde o começo da chantagem, que eu falava para ela meus planos de manter o casamento de fachada somente por tempo suficiente para abafar o caso com a Maraisa, quando a notícia não fosse mais tão recente.

Para a minha surpresa, ela sorriu, também levantando do sofá.

- Tudo bem - Luísa disse, dando de ombros, enquanto caminhava em direção ao balcão e se apoiava no lado oposto ao meu - se daqui um tempo você tiver coragem de deixar para trás sua esposa e seu filho pequeno, fique à vontade.

Mordi o lábio, bebendo mais um pouco do conteúdo do meu copo. Luísa me conhecia bem o suficiente para saber que a existência do filho era o que mais pesava na minha decisão. Feliz ou não com essa gravidez, eu seria pai e tinha plena ciência de que, apesar de não estar sentindo nada ainda em relação a essa paternidade, em algum momento aquilo seria um peso emocional enorme e uma ligação que eu teria com a Luísa para sempre.

- Conheço você - ela continuou, tamborilando os dedos no balcão de mármore - não vai querer abrir mão da sua mulher e do seu filho, sua família perfeita, para correr pros braços da amante... Ela nem lembra mais de você, Wendell.

Senti meu sangue ferver, segurando o copo com força, contendo a vontade de jogar nela. Eu sabia que não podia me descontrolar, mas a raiva e a embriaguez foram o suficiente para eu soltar as palavras estúpidas que falei a seguir.

- A gente se beijou - eu disse, um sorriso involuntário de prazer surgindo no rosto ao ver a expressão prepotente da Luísa ser substituída por um misto de choque e raiva - duas semanas atrás. Na festa do Jorge.

Encontro com o passado - MADELLOnde histórias criam vida. Descubra agora