POV Luna
Sento próxima a ela que me acompanhava com o olhar. O notebook sobre o colo aberto em uma planta pouco detalhada.
— Novo serviço? — Pergunto curiosa.
— É só uma ideia, ainda não sei se vou dar continuidade. — Ela volta a atenção para tela e percebo outras abas abertas.
— Quer conversar sobre o que aconteceu mais cedo? — A observo, ela respira fundo e fecha os olhos por alguns instantes.
— Não gostei do que falou. — Ela diz simplista e desliga a máquina.
— Percebi, não tive a intenção de magoa-la, só disse sem pensar. — Queria a questionar, mas o pedido de Amanda ecoava nos meus pensamentos.
— O que a Amanda disse dos machucados? — Cristal evitava cruzar o olhar com o meu.
— São superficiais, nada que precise de muita atenção, nem precisei de pontos. — Respondo sem muita vontade. — Amanda disse que está irritada, aconteceu algo?
— Não, só... — Ela suspira antes de continuar. — Não sei o que pensar.
— Pensar sobre o quê? — Pergunto enquanto ela encarava o horizonte.
— Sobre... queria conseguir falar, mas sinto que um nó na minha garganta me impede. — Os olhos dela começam a encher de água.
— É sobre essa noite? — Ela me olha e confirma. — Não precisa falar se não se sentir pronta, só quero que saiba: estou aqui, hoje, amanhã, quando precisar.
Cristal apoia a cabeça no meu ombro e ficamos em silêncio por alguns segundos.
— Desculpa, estava estressada e descontei um pouco em você pela manhã. — Ela diz com a voz calma.
— Tudo bem... Dona Marli vai brigar conosco se não formos almoçar logo. — Digo e ela deixa uma risada discreta escapar.
— Então é melhor irmos. — Ela se levanta com o notebook nos braços. — Vai estar ocupada mais tarde?
— Não sei, temos que conversar com as meninas sobre a festa de ontem. — Levanto e a acompanho até a entrada da casa.
— Temos? — Ela questiona confusa.
— É, exceto se não se sentir preparada para voltar a participar das reuniões. — Digo enquanto observava qualquer sinal de desconforto da parte dela.
— Claro, vou participar. — Ela força um sorriso e entra na mansão.
Conseguimos ouvir Dona Marli bater nas panelas enquanto gritava para que todos fossem almoçar. Renata cambaleava apoiada ao corrimão da escada enquanto Alicia e Maju a acompanhavam preocupadas com uma possível queda. Ivete e Gabi já estavam na mesa e Priscilão saia da adega com o celular nas mãos. Cristal deixa o notebook fechado sobre a mesa da sala de estar. Dona Marli terminava os últimos detalhes da comida com Gaspar a elogiar o aroma, Amanda organizava os pratos e talheres, e Júlia colocava duas jarras de suco na mesa ao lado de alguns copos.
Um almoço simples, mas muito delicioso como todos preparados pela Dona Marli. Arroz, feijão, bife de frango, salada e batata frita. Amanda contou de alguns casos do hospital enquanto incentivava Júlia a concorrer por uma vaga de segurança no mesmo. Gaspar ria de algumas piadas da Ivete sobre o estado da Renata. Dona Marli fez uma breve oração antes de começarmos a comer e avisa que iria ao centro fazer algumas compras após o almoço e que deixou alguns biscoitos e guloseimas no armário e na geladeira caso quiséssemos fazer um lanche enquanto ela estiver fora. Priscilão e Cristal mantiveram-se em silêncio como o costume e Maju me passou discretamente um resumo do que aconteceu na festa após a minha saída.
— O show foi maravilhoso, não lembro o nome do cara, mas tem uma voz incrível. As bebidas são muito criativas e algumas até brilham no escuro... — A interrompo.
— Foca nas informações mais relevantes a facção, por favor. — Digo e ela ri envergonhada.
— Evitamos conversar com o pessoal, mas algumas pessoas tentaram se enturmar conosco. Kátia, líder dos Vagos, tentou se aproximar, não conversamos sobre nada interessante, apenas disse que ficou animada com a nossa chegada já que fazia tempo que não tinha "carne nova no pedaço". Alicia queria conseguir mais informação das sombras, mas não conseguimos uma brecha para nos aproximarmos e nem conseguimos ver elas saírem, foi como se evaporassem, juro que estava atenta a porta a todo momento e não foi por lá que elas passaram. — Maju explicava entre algumas garfadas. — O mais relevante que conseguimos foi com o Kuro, ele deixou claro que entrará em contato para marcar uma reunião.
— Ele deu a entender isso antes de sairmos também. Obrigada, assim que Dona Marli e Gaspar saírem, vamos reunir as meninas na sala. Precisamos nos sintonizar antes de nos encontrarmos com os Bloods. — Finalizo o meu prato e olho para Priscilão que já me observava.
Maju confirma com a cabeça e auxilia Dona Marli a recolher os pratos. As meninas conversavam e riam da cara de exaustão da Renata. Percebo a perna da Cristal tremer enquanto ela encarava as próprias mãos abaixo da mesa. Apoio a minha mão no ombro dela para atrair a atenção da mesma, dou um sorriso gentil e respiro lentamente. Ela, quase que inconscientemente, repete o que faço até o tremor parar.
— Bem, meninas, despeço-me, devo voltar em poucas horas. Desejam algo que possa trazer para vocês? — Dona Marli diz em pé na ponta da mesa com uma pequena bolsa nas mãos à frente do corpo e Gaspar ao seu lado.
— Não precisamos de nada, pode ir tranquila. — Digo em nome de todos. — Quer que uma das meninas a leve para cidade? Assim, quando quiser voltar, é só ligar que a buscamos.
— Gaspar irá me levar e fazer companhia durante as compras, mas é muita gentileza da sua parte, senhorita Carter. Quem sabe um dia não marcamos de irmos juntos a cidade? Aos domingos, após a missa, ocorre um bingo com prêmios maravilhosos e alguns lanches que, modéstia à parte, só não são melhores que os meus. — Ela finaliza com uma risada contagiante enquanto caminhava até a porta seguida pelo senhor de boina verde-escuro que se apressa para abrir a porta para ela.
— Claro, quando as crianças vierem nos visitar, iremos juntos. — Os acompanho e percebo Maju reunir as meninas na sala. — Ah! Dona Marli, segredo nosso. — A puxo para mais perto e diminuo o tom de voz. — Sabe onde encontrar algumas rosquinhas recheadas, com cobertura e em forma de coração na cidade?
— Que específico! Mas sei de uma padaria onde deve haver algo bem próximo a isso. — Ela diz pensativa.
— Aqui, preciso que compre algumas, mas não pode contar para ninguém, afinal é um segredo, certo? — Dou trezentos reais para ela que confirma com a cabeça e pisca para mim antes de entrar na caminhonete e partirem para a cidade.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nem a distância nos separa (Continuação)
FanfictionDentro de uma família, se criam laços, uns mais fortes que outros e o que elas criaram se tornou tão indestrutível que mesmo distantes, uma consegue sentir as emoções da outra. Mesmo que o mundo pareça estar contra, esse laço as uni, as prende. Essa...