Capítulo 216: Projetos

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POV Cristal

A insistência do meu pai me irrita. Consigo entender a intenção dele de proporcionar um futuro melhor para a Chiara, mas na Itália? Tão longe de mim. Não quero ser egoísta, nem atrasar ela, mas... Caramba! Já não a vejo durante a semana, quando ela se formar teremos mais tempo para ficar juntas e o meu pai vem com essa ideia de levá-la para outro continente. Desligo o celular e termino o meu café enquanto Amanda me esperava para subirmos juntas. A doutora busca uma maleta de primeiros socorros no quarto dela e fomos até o meu.

— Ela ainda não acordou, chegou bem tarde ontem e conversamos durante a madrugada. — Digo assim que entramos sem fazer muito barulho.

— Posso voltar mais tarde, quando ela acordar. — Amanda sussurra enquanto observava Luna abraçada ao travesseiro.

— É melhor, mas estou preocupada com um corte no ombro dela. Limpei os ferimentos ontem à noite, mas estou com medo dela desenvolver uma infecção. — Explico a situação e ouço Luna se mover na cama.

— Bom dia! — Amanda cumprimenta Luna, que acabará de sentar na cama ainda com mais da metade do corpo coberta pelo edredom.

— Como se sente? — Pergunto com medo dela ter tido alguma reação nessas últimas horas.

— Bom dia! Bem, acredito. — Ela dá um sorriso sonolento enquanto esfregava os olhos.

— Soube que se envolveu numa briga durante essa madrugada e voltou bem machucada. — Amanda posiciona a maleta na frente do corpo.

— Não estou tão machucada assim, só um corte no braço, Cristal exagera às vezes. — Luna ri.

Exagero? Sério? O olho dela está roxo quase preto e sou eu que exagero?

— Um corte no braço, um olho roxo, vários hematomas no abdômen, mas claro que eu sou a exagerada. — Não queria falar mais nada, apenas pego o meu notebook e saio do quarto.

Não sou obrigada a ouvir isso, estava preocupada com ela, só queria ter certeza que nenhum daqueles machucados a prejudicaria ainda mais e é isso que recebo: exagerada. Desço as escadas com raiva, passo pela cozinha onde Marli limpava a louça do café da manhã e Gaspar guardava a comida restante.

Penso em continuar um dos meus projetos do lado de fora com vista para as vinhas, mas percebo os trabalhadores e por receio de ter alguma reação estranha, decido ficar num lugar mais reservado. Dou a volta na casa e subo um pequeno morro próximo ao estacionamento. Ainda tinha a vista das vinhas, o vento suave e o calor do sol. Uma sensação de liberdade e calmaria.

Apoio o notebook no meu colo e abro os projetos de um estabelecimento no centro da cidade. Sempre deixo abas de legislação de fácil acesso, algumas inspirações para a decoração e uma lista de contatos de material de construção, mão de obra, entre outros serviços. Acesso um aplicativo para fazer uma simulação 3D de como ficaria o resultado, faço as modificações que acredito serem necessárias e começo a pensar em logo, nome e propaganda para o estabelecimento quando percebo Luna se aproximar.

— Novo serviço? — Ela pergunta e evito abrir a simulação do projeto, deixo a aba da planta aberta na tela.

— É só uma ideia, ainda não sei se vou dar continuidade. — Fico insegura de falar sobre isso agora.

— Quer conversar sobre o que aconteceu mais cedo? — Luna parecia apreensiva, hesitante.

— Não gostei do que falou. — Respondo da forma mais rápida possível.

— Percebi, não tive a intenção de magoá-la, só disse sem pensar. — Ela estava preocupada, podia sentir isso no tom de voz.

— O que a Amanda disse dos machucados? — Desvio o olhar para a vista a minha frente.

— São superficiais, nada que precise de muita atenção, nem precisei de pontos. — Ela responde e penso: merda, realmente exagerei. — Amanda disse que estava irritada, aconteceu algo?

— Não, só... — Sobre o que devo falar? A proposta do meu pai? Que a Renata vomitou em mim? — Não sei o que pensar.

— Pensar sobre o quê? — Ela insiste nesse assunto e tantas situações vem a minha cabeça que nem sei como ou por onde começar.

— Sobre... — Sinto uma angústia crescer dentro de mim. — Queria conseguir falar, mas sinto que um nó na minha garganta me impede.

— É sobre essa noite? — Apenas confirmo um dos muitos problemas que atormentavam os meus pensamentos. — Não precisa falar se não se sentir pronta, só quero que saiba: estou aqui, hoje, amanhã, quando precisar.

Por que não consigo contar? Não deveria ser tão difícil. É a Luna, não tem ninguém mais confiável que ela na minha vida. Queria chorar, mas não de tristeza, para desabafar, deixar toda essa confusão se diluir nas lágrimas e sair pelos meus olhos. Gritar, bater, xingar aos sete ventos. Estava disposta a tudo para extravasar o que estava preso dentro de mim, mas o meu corpo trava.

— Desculpa, estava estressada e descontei um pouco em você pela manhã. — De tanto que queria dizer, essas são as únicas palavras que consigo pronunciar.

— Tudo bem... — Luna sempre compreensiva, não quero a decepcionar. — Dona Marli vai brigar conosco se não formos almoçar logo.

— Então é melhor irmos. — Levanto com o meu notebook. — Vai estar ocupada mais tarde?

— Não sei, temos que conversar com as meninas sobre a festa de ontem. — Ela me acompanha até a entrada da mansão.

— Temos? — Ela me incluiu na reunião ou foi um erro de fala?

— É, exceto se não se sentir preparada para voltar a participar das reuniões. — Conseguia sentir o olhar dela a me observar. É só uma reunião, por que não participar?

— Claro, vou participar. — Não tinha certeza se é a melhor escolha, mas queria me reaproximar das meninas e em breve reassumir o meu cargo.

Entramos na vinícola com Dona Marli a gritar e bater nas panelas enquanto algumas meninas desciam a escada e outras colocavam a louça na mesa de jantar. Deixo o meu notebook sobre o sofá da sala de estar e volto para o lado da Luna. Não foi um jantar muito elaborado, mas estava tão bom que nem mesmo seria capaz de descrever o sabor. É inegável o amor que Dona Marli tem pela cozinha e tudo que ela faz espelha essa emoção. Sirvo o meu prato e como em silêncio, consigo ouvir um pouco da conversa da Luna, mas o meu foco estava no que poderia acontecer na reunião.

Ansiosa, melhor palavra para me descrever durante o almoço. A minha perna tremia em baixo da mesa e mexia os meus dedos inquietamente, sem pensar em controlar essa sensação. Luna coloca a mão sobre a minha para atrair a minha atenção e instintivamente copio a respiração dela que acalma os meus nervos. Dona Marli se despede e Luna a acompanha e o senhor Gaspar até a porta enquanto Maju reuni as meninas na sala de estar. Sento no sofá com o meu computador sobre o colo e finjo mexer em abas aleatórias do navegador enquanto esperava o retorno da Luna.

Nem a distância nos separa (Continuação)Onde histórias criam vida. Descubra agora