Quero Voltar para Casa

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O fatídico dia tinha chegado: o casamento de Helen. Enquanto a diretora percorria os corredores radiante como nunca, entre nós o ambiente era de luto. Para mim e para Helen ia muito mais além. Não trocamos nenhuma palavra desde aquela noite na cozinha do refeitório, mas, para compensar, os nossos olhares cruzaram-se mais vezes do que quando vivíamos sob o mesmo teto ano após ano. Sentia o ódio que nutria por mim à distância, quase podia tocá-lo. Os olhos verdes, intensos, queimavam-me. Não vacilei e sustentei todas as ameaças não verbais que me lançou. Eu merecia por nunca a ter salvado. Mais do que isso: condenei-a àquela vida com a minha partida. Podia ter negado partir com o professor Fig, mas estava longe de imaginar as consequências. Consequências essas que martelavam a minha mente sem descanso.

A cerimónia seria antes do almoço e duraria uma hora. A igreja do orfanato estava completamente decorada de branco, haviam flores por todo o lado. Da porta de entrada até à igreja, um caminho de pétalas indicava o trajeto que Helen faria. No jardim da frente, as mesas estavam dispostas para o almoço. Mais tarde, o bolo de três andares completaria o cenário de sonho de qualquer mulher. Seria lindíssimo, sem sombra de dúvidas, se retirássemos de contexto. Porém, perdia toda a beleza quando me recordava de Helen e o seu desespero. Toquei o meu braço, por cima da manga do vestido, onde o corte dera lugar a uma marca negra.

– O que estás a fazer, Samantha? – Não precisei de olhar para saber de quem se tratava. – Ainda tens que te vestir antes de preparares a Helen. O tempo urge! Vamos!

– Claro, diretora, perdão.

Depois de uma pequena vénia, atendi às suas ordens.

Sob a minha cama, encontrei as roupas que iria usar: completamente cinzentas, exceto pela roupa interior. Em todos os casamentos no orfanato era assim: apenas a noiva podia se destacar, enquanto todas nós teríamos que manter a cor das nossas fardas.

Cruzei-me com Margaret pelo caminho e esta acabou por seguir-me. Ajudou-me com o espartilho, apertando-o o máximo que a sua forcinha permitia. Apertei os olhos para conter as lágrimas ao imaginar que, um dia, seria a vez dela, se não fosse adotada nos próximos anos.

– Porque tem que ser assim, Samantha? – A pequena perguntou-me quando levantei-me para ajustar o vestido em frente ao espelho.

– Não sei... Também gostava que fosse diferente.

– Queria ir embora daqui...

O pequeno rosto contorceu-se ao tentar reprimir o choro, mas fora em vão. As lágrimas caíram em cascata e eu apressei-me para abraçá-la. Como fizera em tantas outras vezes, trouxe-a para o meu colo e embalei-a. Toquei-lhe os cachos loiros e sedosos, depois as bochechas de porcelana rosadas pelo choro.

– Porque não me levas, Samantha? Quero estar contigo... – A voz embargada cortou-me o coração e eu apertei-a.

– Não imaginas o quanto desejo isso, mas ainda não posso...

– Promete-me que vais fazê-lo. Eu espero o tempo que for preciso!

Os olhos redondos procuraram-me e as mãozinhas seguraram-me o rosto. Demandava por uma resposta que não sabia dar. O que podia fazer?

Escolhi ser sincera.

– Há alguém que preciso de salvar primeiro. Prometo que, se tudo der certo e se conseguir voltar, levo-te embora daqui.

O semblante suavizou e um pequeno sorriso brotou nos seus lábios. Duas covinhas surgiram nas suas bochechas fartas. Não consegui evitar tocá-las.

– É o suficiente, por agora.

Gargalhei com a resposta tão adulta para a sua tenra idade.

A pequena saltou do meu colo e segurou a minha mão. Juntas, percorremos o corredor dos dormitórios até ao quarto de visitas, onde Helen estava hospedada. Era o quarto onde todas as noivas dormiam até ao casamento, como se fosse um processo de transição entre a vida no orfanato para a vida de casada.

Entre Luz e Sombras (Sebastian Sallow x FemOC)Onde histórias criam vida. Descubra agora