Um Mundo Sem Um de Nós

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O corredor terminou numa sala peculiar. O tema de repetição continuava presente, embora de uma forma diferente: o tique-tique alto e incessante ecoava pela sala vindo de incontáveis relógios. Por todas as paredes e teto, amontoados nos cantos da sala, inúmeros relógios estavam parados em variados tempos. Temi que fosse um indicativo de que mais guardas surgissem, mas nada de ameaçador aconteceu. A única ameaça era o som que dominava a sala e também a minha mente. Os ponteiros dos segundos tentavam mover-se; era como se as engrenagens estivessem desgastadas. Por fim, no chão abaixo dos nossos pés, um único relógio cobria todo o espaço, como se fosse o mais importante. Era como se pisássemos sobre o vidro dele; conseguia ver o nosso reflexo espantado diante de tantos marcadores de tempo que, na verdade, não marcavam tempo nenhum. O que significaria tudo aquilo?

– Então esta é a extensão do poder do Pai – ouvi Ignacio falar, tirando-me dos meus devaneios.

Aproximei-me com Sebastian para que pudéssemos ouvir melhor toda a conversa.

– Ignacio – Evelyn soou cautelosa. Cruzou olhares com Ignacio antes de continuar. – É agora que vais contar-me tudo? O que fizeste até então...

O rosto de Evelyn caiu para um ponto mais abaixo da cintura de Ignacio. Pela primeira vez, apercebia-me de um pequeno detalhe: faltavam um total de três dedos nas mãos dele. Evelyn analisou os seus próprios dedos, antes de demandar novamente por explicações.

– É isso mesmo que estás a pensar; o que viste. Eu posso doar-me para os outros. Quanto mais forte o laço com essa pessoa, mais eficaz será. – Repousou o indicador sobre os lábios dela para que não o interrompesse. – Não me arrependo. Se preciso for, cedo a minha mão inteira para ti; mais do que isso...

– Não é só para mim, Ignacio – acusou, o olhar estreitando-se sobre ele. – Por favor, não uses mais essa magia! Vamos viver com o Pai. Aqui e em segurança.

Evelyn afastou-se e abriu os braços. As palmas das suas mãos guiaram a nossa atenção pelos ensurdecedores relógios. O barulho parecia amplificar-se a cada segundo que passava. No entanto, àquela altura, questionava-se se o tempo estava, de facto, a passar. Eu beirava a loucura.

– Nem tu nem eu queremos essa vida. Ambos sabemos isso. A Johanna, minha mãe, presava a liberdade e deu-ma ao sair desta casa. – Ignacio aproximou-se e tocou-lhe os ombros. – Tudo bem visitarmos e ficarmos uns tempos. Mas nunca te esqueças das consequências.

– Envelhecimento acelerado, eu sei.

– Por isso também que, a certa altura, ninguém mais sai. Saímos para buscar um parceiro para o condenarmos a uma vida enclausurada, gerarmos filhos para continuarem o nosso legado de nunca envelhecer porque um único homem não aceita a morte e a passagem do tempo.

Estava claro que Ignacio herdara de Johanna a mesma visão sobre aquele lugar, embora mais negativa. Parecia não concordar de todo com a vida eterna que Joseph oferecia. Viver preso no mesmo espaço por décadas, sem nunca mais pertencer ao mundo... Quantas coisas perderia? Pessoas, conhecimento, experiências.

De repente, um tremor abalou a sala e uma nuvem suave de poeira levantou-se aos nossos pés e acima das nossas cabeças. Evelyn estava alarmada, ao contrário de Ignacio que parecia esperar por aquilo. Finalmente, o taque que sucede o tique dos ponteiros soou. Um segundo; os relógios tinham avançado um segundo.

– Magia é finita. Gerações e gerações de Lynch num mesmo espaço... – Proferiu Ignacio, o seu olha analisou os relógios atrás de Evelyn – Controlar o tempo de todos, do próprio espaço. Nem o Joseph, que dominou a sua habilidade – talvez o único com tempo para isso –, consegue aguentar o desgaste. Em algum momento vai ceder, se não formos menos. Juntarmo-nos à família seria condená-los a todos, por isso a minha mãe Johanna foi embora. Tenho a certeza que a Mãe de Todos pensou o mesmo quando foi embora e abraçou a morte.

Entre Luz e Sombras (Sebastian Sallow x FemOC)Onde histórias criam vida. Descubra agora