21º Capítulo - Se For Dor O que Eu Sinto

53 10 6
                                    

A morte é absoluta, eminente e aterradora, mas nós, necromantes, nascemos com o poder de dominá-la. Nos utilizamos dela para mudar a atmosfera, outros planos e outros seres.

Ser necromante sempre significou ter um vínculo quase afetivo com a morte. É algo enraizado no coração e entalhado nas veias como uma marca que define nossa linhagem. Somos caçadas, temidas e, às vezes, admiradas.

Confesso que quando a morte chegou para mim não foi difícil. Na verdade, foi como me encontrar pela primeira vez em muito tempo e me reconhecer de formas que eu nunca havia conseguido antes.

Mas nesse momento, enquanto encaro o teto desse lugar que não conheço e meus músculos se repuxam por baixo da pele, tento entender por que o mundo parece tão diferente. Porque sinto que tive uma parte minha arrancada e não reconheço quem sou, ou melhor, o que eu sou? Aquela sensação de pertencimento, que demorei tanto para alcançar, desapareceu.

Me sento piscando lentamente. As luzes me acertam como raios laser e tenho que apertar os olhos para me acostumar a claridade do lugar. É o quarto de UTI que Calleb montou na estufa. Está diferente do que me lembrava. Com mais equipamentos, mais plantas e com um ar quase rarefeito.

Encaro o jarro de planta sobre a mesa de canto e vejo todos os detalhes das folhas como se usasse lentes de aumento. Tem algumas gotas de orvalho deslizando por elas e o som é áspero e irritante, ressoando dentro do meu cérebro como se estivesse no volume máximo.

Travo os dentes e esfrego os olhos me levantando da maca. Sinto o frio do chão e tento me equilibrar, mas minhas pernas parecem pesar toneladas. Cambaleio para o lado e alguém me apoia para eu não cair.

Encaro a pessoa e vejo os olhos semicerrados de Isaac me encarando de volta. Seu rosto está bem próximo e seu cheiro invade minhas narinas três vezes mais forte do que um dia já fora. Ouço seu coração bater acelerado e vejo o pulsar como em um raio x. O sangue corre nas veias e a ocitocina escapa de seus poros me deixando inebriada.

É assustador, magnética, poderoso.

Demoro para retomar o controle do meu corpo e sou invadida por milhares e milhares de questões que não quero encarar. Não quero acreditar. Me afasto de Isaac dizendo:

— Eu não devia estar aqui.

— Vamos explicar tudo quando você... — O interrompo bruscamente.

— O que fizeram comigo?

Percebo que tem mais pessoas no quarto. Encontro a mulher que apareceu em minha mente próxima as janelas. O cabelo é escorrido, na altura dos seios, e seus olhos azuis profundos me encaram como se tivessem algum controle sobre mim.

— O que é você?

— Sou Emily Greaff.

— Eu não perguntei quem. Perguntei o que é você?

A observo por dentro. Sua áurea não é sombria como a de um vampiro ou térmica como a de um bruxo. É uma mistura dos dois, se chacoalhando e expandindo como se não pudesse ser contida. Ela é forte. E é diferente de tudo que já conheci.

— O que fez comigo?! — Questiono irritada.

— O necessário.

Olho para minhas mãos e consigo ver cada detalhe das minhas digitais. Fico trêmula, apavorada e sinto meu coração pulsar forte dentro do peito. Encaro o espelho na parede atrás de mim e fico lívida. Meus olhos estão vermelhos cor sangue, mas a íris está preenchida pelo brilho prateado característico das necromantes.

Céus... Eu sou um monstro!

— Não... Não.... Vocês não tinham o direito!

— Sienna, precisa se acalmar. — Isla finalmente diz alguma coisa — Esse foi o único jeito.

Herdeiros das Trevas - LegadosOnde histórias criam vida. Descubra agora