Herdeiros das Trevas - Legados

Último Capítulo - Amanhã É Um Novo Dia Para Todos

Dizem que nos últimos momentos de vida de uma pessoa ela vê toda sua história passando diante dos olhos em uma fração de segundos. Para mim não foi assim. Minha morte não foi um memorial de tudo o que vivi e estava perdendo. Foi mais como um convite para um descanso que eu ansiava.

Mas agora, enquanto o punhal de Agnes rasga o coração de Jay bem na minha frente, eu vejo a história dele passando diante dos meus olhos. Vejo até mesmo os momentos em que eu não estava presente. Vejo-o crescer e ser feliz com sua família antes da guerra arruinar sua cidade. Vejo Merrick o encontrando nos escombros de sua casa, que havia sido atingida por uma bomba, e o transformando. Vejo-o se adaptar a sua nova vida e sorrir ao lado de Mallory. Nos vejo naquele terraço em Amsterdã, tomando cerveja e falando de como o futuro era incerto. Vejo-o me consolar e me salvar, várias e várias vezes. Vejo-o se apaixonar por Calleb, se tornar o primeiro de sua linhagem e, por fim, eu vejo este momento...

Seus olhos cinzas me encaram com medo e sou atingida por uma dor do tamanho da terra. Solto um grito profundo e desesperado. Corro o mais rápido que posso, mas só chego a tempo de impedir que seu corpo bata contra o chão. Tento conter o sangramento, mas é como uma cachoeira vermelha que não regenera.

— Não... Não... O que você fez?!

— Ninguém pode ter tudo, Sienna. Nem você nem eu.

Choro compulsivamente. O rosto de Jay já não tem mais vida. O punhal é feito de pura magia, o que não lhe deu a menor chance. Ava ainda está de joelhos. Paralisada. Mortificada. O rosto de Jay começa a se desfragmentar enquanto eu me agarro a ele desesperada e imploro:

— Não! Por favor, meu Deus! Por favor! Não!

Lágrimas me rasgam ao meio. Penso em Merrick, Isaac, Aiden e Stacy perdendo suas vidas em algum lugar dessa fazenda. Penso em Calleb e em Carl fugindo na esperança de que eu conseguiria salvá-los. Penso naqueles que estão em Widrych e espalhados ao redor do mundo que possuem suas vidas ligadas a Jay e que agora vão morrer por causa da maldição.

A dor me consome. Me debruço sobro o corpo de Jay me acabando em lágrimas e desgraça. Solto um grito profundo e uma onda sonora se espalha pelo ar dissipando a poeira e arremessando tudo para longe. Imploro por qualquer intervenção. Suplico por uma saída a qualquer Ser maior do que eu e que possa estar vendo este momento.

De repente, um pequeno brilho surge na minha frente. Ele se expande e se transforma em uma esfera que reflete tanta luz que sou obrigada a tampar os olhos com o braço. Depois de um tempo, quando a luz minimiza, eu destampo os olhos, mas fico incrédula com o que vejo.

O livro de feitiços primais está flutuando diante de mim. É o livro original de Vida e Morte. O livro que se abriu na primeira vez que fui até o Conselho e que, de alguma forma, eu senti que estava ligada.

Me levanto do chão totalmente perplexa. Eu não sei como, mas acho que o atraí até aqui. Quando me aproximo ele se abre sozinho. As páginas estão em branco, mas quando chego um pouco mais perto elas começam a ser preenchidas com palavras, depois frases e, por fim, parágrafos inteiros.

É um feitiço para voltar no tempo, apenas alguns minutos, só o suficiente para reverter uma morte. Obviamente é algo que só pode ser feito por uma bruxa necromante.

Eu não tenho como trazer Jay de volta a vida, mas posso fazer o tempo retroceder e impedir que Agnes o mate. Não penso muito a respeito. Toco o livro e sou preenchida com uma força surreal. Três vezes maior do que quando acordei como híbrida.

Me sinto mais poderosa do que jamais fui.

Começo a pronunciar o feitiço. O livro brilha ainda mais e todo meu corpo começa a brilhar com a mesma energia. Aperto os olhos quando fica intenso demais. Não consigo enxergar mais nada a minha frente, mas é como se uma corda me puxasse para trás. Quando finalmente posso abrir os olhos, estou novamente na frente de Agnes. Jay e Ava estão ajoelhados ao seu lado, com os braços para trás, veias negras saltadas em seus rostos enquanto parecem lutar contra o ar.