quarteirões

275 22 19
                                    

"Meu amor,
hoje dei uma espiada em você. Faço isso todo dia, não tão secretamente, mas não imagino que você repare. Percebo todos os dias que eu poderia te olhar por horas sem fazer absolutamente nada. Você é minha paixonite mais bonita de todas. Nenhuma delas são pessoas, é claro, só algumas atividades e objetos de afeto. Mas você sempre me faz me sentir certo por nutrir paixão. Sou incapaz de desapegar dos velhos hábitos de ficar te olhando de manhã quando saio de casa, porque consigo ver perfeitamente a sacada do seu apartamento. Você é angelical. Me traz uma paz enorme.
Eu não escrevi isso com o intuito de fazer mais uma declaração de amor, mas porque queria te contar algo. Só que pensei melhor e prefiro falar sobre pessoalmente, mais tarde. Preciso ouvir você um pouquinho, minha voz da clareza.
Tenha um ótimo dia hoje. Não se esqueça de comer.
Com carinho, Bri"

Durante a leitura, deu uma olhada na rua, desde que se encontrava naquela sacada citada no bilhete. Entrou pra dentro depois de terminar o cigarro, e se enrolou em uma coberta. Não precisava nem disso pra se sentir quente, esse estado de gostar tanto de alguém o fazia se sentir aquecido o suficiente.
Se perguntava muito como Brian conseguia ser tão romântico. Honestamente, era a pessoa mais melosa que já tinha conhecido. Passava por debaixo de sua porta um bilhete desse naipe quase todo dia, sempre com muito carinho, tratando ele tão bem que não conseguia nem acreditar. Às vezes se perguntava se estava vivendo no mundo real, porque ele parecia ser de mentira.
Roger nunca tinha tido um relacionamento desse tipo antes. Nunca imaginou também que teria alguém que se apaixonaria tão intensamente por ele, já que nunca se viu muito atraente. Não era horrendo, mas se sentia um pouco. Em diversos sentidos.
Estava tentando trabalhar essa questão da saúde mental. Brian e John se sentiam muito preocupados com ele, e ele não queria desapontar ninguém. Queria comer direito, sorrir mais, chorar menos e não sentir coisas estúpidas por motivos estúpidos.

Preparava seu cérebro para qualquer coisa que Brian viesse a lhe dizer. Queria ser tão bom pra ele quanto ele era pra si.
Queria estar a altura.
Queria se sentir digno de ser alvo dessas palavras que achava tão bonitas.
Era tudo tão novo. Precisava se sentir bem com isso, precisava fazer direito, tinha medo de errar.

Pensava no que fazer com seu dia.
A rotina que seu, então, namorado mantinha o fazia não conseguir evitar se sentir nada produtivo. Nem ele mesmo sabia o que fazia o dia todo em casa. Bom, ele fumava bastante, e chorava bastante. Mas agora, chora menos, nem fuma tanto. E mesmo antes, o que fazia com o tempo livre, que era mais ou menos o tempo todo? O que devia fazer da sua vida?
Ter uma pessoa que ama tanto o fazia se sentir melhor. Ter se reconectado com um amigo que ama muito também fez se sentir melhor. Mas não se constrói em pessoas tudo que ele perdeu.
Mesmo que tivesse certas coisas maravilhosas na sua vida, ainda tinha que lidar com as ruins. Ainda sofria as consequências das ruins. Ainda chorava, mesmo que menos.
Mesmo que parecesse que as coisas começaram a dar certo, ele sabia que continuar assim não ia realmente melhorar as coisas. Precisava fazer algo a respeito, talvez tentar sair de casa mais regularmente, o qual ainda tinha muita dificuldade, mas facilitava muito ter companhia.
Esperava um pouco mais. Esperava que, com essa sensação maravilhosa de ser amado, magicamente tudo ficasse bem. Mas o mundo real não funciona assim. As coisas só são fáceis quando podem ser fantasiosas. Infelizmente, ele tinha que viver de verdade.
Brian sugeriu que ele fosse a terapia. Não só sugeriu, como ofereceu pagar pra ele as sessões. Ainda sentia-se muito ansioso em compartilhar com um estranho tudo que estava sentindo. Era tão esquisito.

Rolava pra lá e pra cá, o tanto que a cama permitia. Até que caiu, por rolar mais além. A queda, felizmente, foi amortecida pelo cobertor macio, mas ainda sentia o baque por ter um corpo frágil. Talvez, se ganhasse alguns quilinhos, poderia ser mais resistente, pensou. Porém ainda tinha dificuldade em comer. E ainda tinha dificuldade com a própria imagem. Evitava se olhar no espelho, preferia só ter em mente que seu namorado o achava bonito, e isso bastava. O telefone começa a tocar, e então, as madeixas loiras sobem de uma maneira desengonçada, enquanto ele se levantava com uma leve dificuldade. Tinha alguns problemas de equilíbrio, às vezes.
Chegou até o telefone, o colocando na orelha.

Letters for Roger TaylorOnde histórias criam vida. Descubra agora