Bilhetes

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Brian vestia rapidamente seu casaco, se preparando mais uma vez para ir até a loja de conveniência mais próxima arranjar algo que o mantenha nutrido pelas próximas horas, já que, mais uma vez, se esqueceu de ir ao mercado. Colocou os sapatos e se direcionou até a porta, abrindo-a e atravessando o corredor. Parou em frente da porta de seu vizinho, ouvindo soluços. O cacheado costumava ouvir e vê-lo chorar frequentemente. Imaginando a razão de tanta tristeza, voltou ao seu percurso original até sair do prédio, andando rapidamente até a loja na esquina. De lá de baixo, pode ver o garoto sentado no chão sacada de seu apartamento no terceiro andar.

Os cabelos desgrenhados e loiros, os olhos azuis e inchados por conta do choro. Tragava um cigarro e olhava para os céus. O cacheado perguntava-se mentalmente o que se passava na cabeça daquele homem. Daquele ser, daquela criatura, alguém com uma aparência tão angelical, frágil, e ao mesmo tempo perigosa. Estava razoavelmente curioso. Não sabia o nome, não sabia a idade, não conhecia nem a voz daquele rapaz. Mas Brian May poderia dizer com convicção: se sentiu enfeitiçado durante os míseros segundos que teve para poder admirar o vizinho. Era encantador. Misteriosamente triste e assustadoramente bonito. May até tentaria fazer amizade, ou dar ao menos um breve bom dia para o jovem, mas o loiro não saia de casa. Ou Brian apenas era um rapaz azarado demais que nunca tivera o privilégio de ver aquele indivíduo botando os pés pra fora do apartamento ao lado.

Saiu tão rápido quanto entrou naquele estabelecimento, com uma sacola preenchida por comida sendo carregada nas mãos, voltando ao seu apartamento. Olhou para a porta do vizinho novamente antes de entrar. Então pensou consigo mesmo: "Se ele não irá sair daí para que possamos conversar, eu irei falar com ele estando ali dentro".

Foi assim que o moreno abriu a porta de seu lar, por assim se dizer, entrando e se dirigindo até a escrivaninha, prestes a escrever uma pequena carta, mais como um bilhete.

A verdade é que não sabia o que dizer.

O que ele poderia escrever? Perguntar diretamente o que queria dizer soaria muito rude de sua parte?
Talvez, mas era isso ou nada.
Chegou a uma conclusão. Apenas perguntaria, sem mais nem menos, simples assim. Não escreveria seu nome, pois talvez o rapazinho loiro o achasse arrogante e nunca mais olhasse na sua cara. Mas nunca olhou, de qualquer forma. Estava apreensivo porque não queria ser inconveniente, muito menos magoa-lo.

Rapidamente passou aquele bilhete por debaixo da porta à esquerda, agachado em frente dela, esperando uma resposta que talvez nunca chegasse.

Roger encarava o papelzinho em suas mãos com curiosidade.

Encontrava-se sentado no chão em frente a porta de madeira, havia acabado de voltar da varanda, na qual tinha ido apenas para fumar. Usava um casaco de pelinhos sintéticos e macios, numa tentativa de esquentar o corpo magro. Leu as palavras atentamente.

"Por que você chora todos os dias?"

Riu baixinho. Estava um tanto quanto surpreendido. Nunca pensaria que alguém se importava.

"Roger, esta pessoa não se importa. Só está lhe perguntando porque é esquisito. Você incomoda muito os outros."

Então as suas paranóias o fizeram cair na realidade. Muito possivelmente, a pessoa que havia lhe mandado aquilo não se preocupava. Só estava curioso ou incomodado com o barulho.

Resolveu então, responder, escrevendo no verso.

"Todo mundo chora. Eu apenas choro mais do que a média das pessoas."

E passou o papel por debaixo da porta.

O cacheado, ansioso, abriu um sorriso doce quando viu o bilhete sendo devolvido. Olhou o verso, lendo a resposta. Escreveu de volta e pela terceira vez ao dia, aquele papel foi passado.

"Perdão se te incomodei. Estava preocupado."

Naquele momento, Taylor sentiu o coração se aquecer dentro de seu peito. Sentiu vontade de chorar apenas mais uma vez. Porque aquele desconhecido disse que estava preocupado. Pediu perdão porque achou que havia incomodado.

Ninguém nunca se preocupava com ele, por isso ficou feliz, algo que não sentia com mais ninguém além do único amigo que tinha, que nem ao menos estava presente naquele momento. O desconhecido poderia muito bem estar dizendo apenas por dizer, e provavelmente estava. Com certeza estava, até porque, Roger sempre foi muito exagerado. Mas o loiro preferiu apenas se sentir bem do que alimentar mais seus medos internos.

Não queria deixar o assunto morrer, então enviou mais uma vez o bilhete.

"Meu nome é Roger Meddows Taylor. E o seu?"

Brian riu. Até mesmo o maldito nome era lindo.
Repetiu o processo anterior, naquele troca-troca que faziam alguns minutos, e levantou-se, indo para dentro de seu próprio apartamento.

Pela última vez naquela manhã fria, o homem por trás da porta escura recebeu o papel de volta.

"É segredo."

Fez um bico emburrado. Roger poderia estar acostumado com a derrota, mas não podia evitar ficar bravo quando não conseguia o que queria. Pra falar a verdade, era muito infantil e teimoso, mesmo que geralmente ele tenha que lidar com o fracasso, definitivamente não era um bom perdedor. O que custava dizer um nome?

Pegou o bilhete e permaneceu no chão, engatinhando até a cômoda ao lado de sua cama. Abriu a terceira gaveta e de lá tirou uma pequena caixinha de madeira, a qual estava vazia. Cuidadosamente, dobrou a pequena folha e a posicionou cautelosamente dentro da caixa. Olhou para a gaveta no momento em que iria guardar o objeto de madeira, mas avistou com os olhos curiosos uma pequena foto. Deixou a caixa de lado e pegou a imagem, olhando atentamente. Era ele, juntamente com um homem, o qual reconheceu imediatamente como seu único e possivelmente melhor amigo, o qual esperava de maneira insegura que o considerasse seu melhor amigo também. Procurou saber se havia algo no verso da foto, e leu rapidamente as palavras ali gravadas.

"Com amor, John Deacon."

Abraçou a fotografia fortemente, como se fosse seu bem mais precioso e que deveria ser protegido. Deixou um pequeno sorriso escapar pelos lábios rosados, e um suspiro sair entre eles. John sempre lhe trouxe boas lembranças. Não via ele já fazia um tempo, e desejava poder vê-lo novamente. Na verdade, o loiro poderia, na hora que quisesse. Mas tinha medo. Tinha medo de sair de casa, ir até aquela biblioteca, e não encontrar o rapaz lá. Porque se sair de casa já era assustador, imagine sair de casa e ficar sozinho. Sabia que soava egoísta, mas optou por não se arriscar a sair na rua novamente desde os últimos acontecimentos. Desejava ao menos ter dito seu endereço para Deacon, então ele não precisaria voltar a biblioteca para ver o mesmo.

Queria ser menos covarde, porque se fosse corajoso, talvez faria amigos.

Se não fosse medroso e egoísta, poderia estar lendo ouvindo a leitura baixinha de John no seu ouvido, deitado com a cabeça no colo do rapaz, escondidos entre os espaços das estantes da biblioteca. Poderia estar se divertindo em festas, como os jovens de sua idade. Poderia estar falando com o estranho dos bilhetes e descobrir quem era aquela pessoa, mas não conseguia nem pensar em abrir a porta.

Poderia estar vivendo. Mas a ideia de viver assustava muito ele, então resolveu permanecer apenas existindo.

Letters for Roger TaylorOnde histórias criam vida. Descubra agora