Nicotina

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Não sabia como havia se segurado para não socar aquele cara, mas sabia que estava fervendo de raiva, mesmo que por fora agisse com tranquilidade. Estava tão preocupado com Roger e já havia mandado inúmeras mensagens a Mary a pedindo para o atualizar sobre. Gostaria de ter ficado e ter dado apoio ao loiro, e se sentia péssimo por não ter o feito, mas estava atrasado para o trabalho e não queria ser despedido. Se sentia egoísta. Roger chorou tanto e parecia tão desesperado, mas Brian não fez nada. Estava péssimo. Só rezava para que ficasse tudo bem.
Porque sabia do medo que o jovem tinha de sair de casa. E se algo assim tinha acontecido, imagina agora, como seria? Temia que o loirinho desistisse de sair. Ele parecia estar sofrendo tanto.
Não importava o quanto Freddie lhe dissesse que não tinha culpa, não conseguia evitar se sentir culpado. Ele poderia ter intervido assim que o homem começou a falar.
Deveria ter o socado. Odiava agressão, mas deveria ter o socado. Com certeza, a dor de um soco que aquele rapaz sentiria não se compararia nada com a dor das palavras que desferiu para Roger. Seu Roger.
Só queria protegê-lo do mundo. Queria ter o abraçado e dito que ficaria tudo bem. Mas não o fez. E se arrependia tanto....

Já derramara suco na saia de uma cliente e trocava os pedidos hora ou outra. A gota da água para o chefe de Brian foi quando ele derrubou dois pratos, então resolveu o dispensar pelo resto do dia, porque o cacheado estava muito distraído. Internamente, Brian agradeceu, apesar de saber que seria descontado de seu salário.
Se enrolou no casaco e saiu correndo até a loja, pedindo um táxi. As ruas de Londres estavam frias e logo logo a neve viria. Não era noite ainda, mas alguns estabelecimentos já fechavam.

Ao chegar em frente ao costumeiro prédio, se direcionou até a portaria e adentrou o edifício. Ansioso, esperou o elevador o transportar até seu andar.

Deacon chegou a lanchonete com o dinheiro nos bolsos, de bom humor. Estava feliz por poder ter um momento de lazer do Roger, depois de tanto tempo sem poder vê-lo. Viu uma garçonete sentada ao lado do mais velho, logo estranhando. Foi até eles, tentando tirar saber o que havia acontecido. Quando pousou os olhos sobre o rosto choroso e desesperado de Taylor, sua expressão deixou de ser tranquila e seu rosto permitiu uma face de preocupação tomar o lugar.

- Rog, o que aconteceu?

Roger levantou os olhos azuis e cristalinos apenas para encarar o rapaz de cabelos castanhos. John pôde sentir a tristeza por trás daquela expressão.

- Fala comigo, meu bem. O que aconteceu?

- Deaky, me leva pra casa... Por... Por favor...

- Claro. - Olhou para a moça que estava sentada ali, observando o crachá e lendo o nome ali gravado. - Senhorita... Mary Austin, muito obrigado por ter ficado com o Roger. Agora temos que ir embora.

- Ah, sim. Entendo. Espero que ele fique bem. Tenham um ótimo dia...

- Você também.

John segurou a mão do garoto, o permitindo se apoiar no mais alto e levantar logo em seguida. Podia sentir a mão de Roger tremendo contra a sua.

- Quer falar sobre isso?

Negou com a cabeça, realmente não querendo se lembrar. Se sentia péssimo.

Nathan Hansen foi o primeiro colega de classe a fazer piadinhas sobre o loiro. Mas definitivamente, não foi o único nem o último.
Poderia dizer que ele apenas começou com as zoações. Primeiro as notas de Roger, o chamando de burro por não ser bom em matemática. Quando deixou o cabelo crescer, Hansen passou a implicar ainda mais com ele, dizendo que era "coisa de mulher".
Mas definitivamente, a pior coisa que aconteceu, foi Nathan Hansen ver Roger Taylor beijando John Deacon, o garoto popular e exemplar do colégio, atrás das arquibancadas do campo de futebol.
Sua vida escolar tinha virado um inferno. E consequentemente, as notas caíram e a lista de presença que costumava ser perfeita, contava com diversas faltas em períodos variados, porque Roger matava aula pra fumar no banheiro. Queria ficar chapado e esquecer os problemas, mas nicotina não o fazia esquecer. Só deteriorava seus pulmões.
Não suportava as piadinhas. Roger, a bicha. Roger, o viadinho. Ficar sozinho nos trabalhos em dupla porque sentiam nojo dele e a única pessoa que não sentia vergonha de andar com o tão abominado Roger Taylor, não era do seu ano.
Tudo piorou quando começaram as agressões físicas.
No começo, era um empurrão ou outro. Um pé que colocava no caminho para que o loirinho caísse no chão no meio do refeitório, um esbarrão que dava propositalmente no meio do corredor infestado por diversos alunos.

Mas as coisas mudam. E pra pior.

A primeira vez foi quando estava indo pra casa. Naquele dia em especial, não pôde voltar com John, porque o mesmo teria que visitar a sua avó logo após a escola. Estava sozinho e virando a esquina da escola, quando sentiu um puxão.
Então sentiu socos. Sentiu chutes. E sentiu palavras perfurarem seu coração.
Eles diziam que era um castigo. Uma punição. Mas por que diabos deveria ser punido se não havia feito nada de errado?
Era um garoto como qualquer outro.

"Estamos fazendo isso pra você aprender a virar homem."

Por que tudo tinha a ver com masculinidade?

Deixaria de ser homem por beijar outros homens?

A auto estima ia se deteriorando. A ansiedade foi se desenvolvendo, junto com a depressão e o vício por cigarros. Em uma época da sua vida chegou a usar maconha, mas nada o viciou tanto quanto a nicotina.
Se estragava porque na visão de sí mesmo, já estava estragado.

E se Deus existia, Roger Taylor o achava injusto. Por que se um ser tão bom estivesse ali ao lado dele, não teria vivido o inferno que viveu. As noites que passou rezando para que no dia seguinte o deixassem em paz, mesmo que não fosse cristão. Todas as vezes que teve que mentir pra irmã dizendo que os hematomas no rosto eram porque havia caído da escada. Todas as cicatrizes em seu braço, como se a dor que os outros rapazes lhe proporcionava não fosse suficiente.

O medo consumiu Roger por inteiro, e começou a chorar novamente.

Letters for Roger TaylorOnde histórias criam vida. Descubra agora