Cap. 29: O Despertar

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Dentre as várias definições de despertar, a que melhor se encaixa na história de nossas três irmãs seria essa "fazer sair ou sair do estado de torpor ou de inércia; fazer readquirir ou readquirir força ou atividade; espertar. Ato ou efeito de abandonar a indiferença, a inatividade, ou de iniciar um processo."

Embora a vida tivesse seguido seu rumo, e as irmãs tivessem construído uma história, ao longo desses vinte anos, ainda sim algo dormia dentro delas. As verdades nunca ditas, as dores encobertas e as memórias envoltas por uma névoa criada para camuflar aquele dia fatídico em que ficaram órfãs, ou pelo menos que pensaram ficar órfãs.

Helia apesar de ser a mais velha teve suas memórias envoltas por essa névoa que encobriu por anos qualquer lembrança que pudesse ter, não apenas daquela noite, mas de tudo que vivera ao lado dos pais. Nem as incansaveis terapias e visitas a médicos a puderam ajudar no resgate das lembranças de sua vida antes daquela noite em que pensara ter perdido de forma trágica e cruel os seus pais.

Janete mais nova, não conseguia recordar de nada, afinal já se é sabido que uma criança só passa a ter consciência das coisas a sua volta e a guardá-las na memória após os quatro anos de idade. Embora indo contra a ciência e todas as suas suposições, Janete havia vivenciado nas últimas semanas muitas lembranças de uma época em que não era mais que uma garotinha correndo descalça pela casa. Também dentro dela dormia toda uma história que em breve despertaria.

Santinha, essa sim vivera a vida em uma inércia sem proporções, jamais soubera a verdade, desconhecia sua origem e vivia perdida num sono profundo, ainda que estivesse acordada.
Para ela também seria um baque as descobertas que viriam, isso claro se ela enfim pudesse despertar, agora de um sono literal, de um coma que já durava tempo demais como pensava Richard enquanto mais uma vez sentava ao lado de sua cabeceira e segurando em sua mão rogava a Santa Margarida de Escócia para que ela acordasse.

E engana-se quem pensa que apenas Otávio passou os últimos anos adormecido para o mundo. Pois enquanto ele dormia acometido por aquela letargia, Eva tinha sua vida apagada, como quem apaga as luzes de um quarto, tornando em breu o cômodo, tirando toda e qualquer possibilidade de vislumbrar sequer um palmo adiante do nariz. Eva não dormira literalmente, mas sua mente dormira por quase vinte anos.

Despertar, era chegada a hora de despertar. Colocar os pingos nos "is", voltar a dar rumo àquelas histórias paralelas, buscar o fio da meada e unir os destinos daquela família.

A pergunta que não quer calar e fazia Serafim mexer as mãos freneticamente em sinal de claro nervosismo era "se Eva e Otávio estavam vivos e diante dele, quem morreu naquela noite trágica?" Como não puderam descobrir antes a verdade? Quem estava por trás de tudo aquilo? Porque sim, era óbvio que havia alguém por trás de toda aquela tragédia, havia alguém que propositalmente causou não apenas o acidente de Otávio, como o sumisso de Eva e quase a morte das suas três lindas filhas. E nada, absolutamente nada fazia Serafim deixar de pensar que o culpado de tudo era Antônio San Marino e parte dessas respostas apenas uma pessoa tinha, e essa estava ali diante dele aos poucos recordando tudo que aconteceu após a morte de Gregório Montana.

...

A ciência dizia que Eva jamais tornaria a recordar sua vida antes do dia em que aparecera perambulando pela praia naquela ilha em Angra dos Reis, era um caso crítico de perda de memória, desenganada viveu seus anos no limbo sem qualquer resquício de sua vida passada. Porém contrariando a medicina, Eva despertara. Sim... A mulher desenganada pelos médicos, taxada por louca pela população daquela ilha, hoje despertava.

Se afastando do abraço de seu marido, Eva respirava profundamente. Os olhos semicerrados como se sentisse dor, o peito inquieto subia e descia com a respiração pesada que exalava de seus pulmões.

Paralelas do Destino - FinalizadaOnde histórias criam vida. Descubra agora