Em 1990 tomei-me professor de Filosofia no curso colegial e
de Literatura no curso ginasial da rede estadual de educação.
O tempo arrastara os anos para longe de mim com a mesma
rapidez e impetuosidade com que o vento de outono desnuda a copa
das árvores. Mas, a lembrança do amor perdido permanecia... me roía
silenciosamente por dentro.
Eu me recusava em acreditar na reencamação. Dizia a mim
mesmo que não era por ela que eu esperava e, sim, por uma outra
pessoa que despertasse em mim uma nova paixão. O coração, porém,
não aceitava este argumento da razão. O coração desejava
caprichosamente um reencontro com a mesma pessoa, que a morte
tinha levado. Meu coração procurava ansiosamente por ela, por
Caressa...
Toda noite, antes de dormir, a mesma sensação retornava.
Era uma sensação de ligeira ansiedade, a vaga impressão de que o dia
havia terminado sem que eu encontrasse algo que, sem admiti-lo,
estava a esperar: o reencontro com o amor de minha adolescência. Às
vezes, eu percebia minha loucura e prometia esquecer toda esta
insensatez. A lucidez não durava muito. Dias depois eu já tinha me
esquecido da promessa e já estava a observar o céu noturno com o
coração repleto de ansiedade. Quando caminhava pelas ruas, eu
procurava nos olhos de outras meninas o mesmo brilho que, um dia,
tinha visto nos olhos de minha amada. Atravessei os anos com esta
sensação de expectativa e ansiedade me dominando. Esta sensação
tomava-se-me quase insuportável em julho, quando tudo que me
cercava fazia com que relembrasse o amor perdido. De manhã me
despertava para ela. O vento soprava seu nome em meu ouvido. As
noites eram tingidas por um céu feito de saudade e sonho. Certa vez,
numa tarde de domingo, eu estava fazendo cooper, na pista do
Ibirapuera quando, distante, vi uma menina sentada de costas para o
lado da pista. Quero dizer: não vi a menina propriamente, mas seus cabelos negros em forma de espirais: vi os cabelos de Caressa.
Caminhei em sua direção e quando estava a um metro para lhe tocar
o ombro, detive-me: "E se não for ela?" - perguntei-me - . Não
havia nada de condenável em se tocar, por engano, no ombro de uma
pessoa. Não foi por isso que me detive... Parei porque me julguei
demasiadamente precipitado. Porque se não fosse ela, eu teria
desperdiçado o prazer de estender ao máximo aquela ilusão. A
sensação que me percorria o corpo era muito especial para ser assim
tão facilmente anulada. Então caminhei para a outra margem da pista
e me sentei na grama. Fiquei ali sentado, contemplando-lhe os
cabelos negros; embriagando-me daquela doce ilusão. "Pode ser ela!"
- pensei, depois de algum tempo. Minha vida, suspensa pelo fio da
ansiedade balançava no tempo como o pêndulo de um relógio antigo,
como a marcar o compasso cadenciado do meu coração. Seria muito
simples obter uma resposta: ela estava a apenas alguns passos.
Contudo, o medo havia tomado conta de mim. Eu não ousava
avançar, olhar seu rosto, mergulhar em seus olhos. Não ousava
quebrar a sensação desse suspense. Os ombros também se
assemelhavam aos de Caressa: retos e estreitos como os de um
menino.
De repente, ela se levantou e caminhou com passos
apressados na minha direção. Levantei-me e a acompanhei
discretamente. Alguns metros adiante um rapaz a envolveu em seus
braços compridos e a beijou. Eu continuei andando com ar ausente.
Os dois prosseguiram abraçados. O rapaz certamente tinha percebido
que eu estava a observá-la, porque, logo depois dele lançar uma
rápida olhadela para trás, a menina fez o mesmo. Em segundos, pude
ver a fisionomia dela; pude, espantosamente, mergulhar em sua
alma... Não era ela, não era Caressa. Parei e fiquei contemplando o
casal até perdê-lo de vista. Entrei no meu carro e fui para casa, para o
meu longo inverno...