Capitulo 6

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Na manhã de sábado, tal como fizera nos últimos dias, me


levantei cedo. Tomei um banho bem quente e demorei-me diante do


espelho. Peguei meu sax e desci as escadas, fazendo com que o


ambiente vibrasse com as notas dos meus sentimentos. Vovó estava à


mesa. Minha mãe não tinha por hábito levantar àquela hora, mas na


noite anterior se sentira indisposta e deitara cedo demais, de modo


que, naquela manhã, ela também já estava à mesa. Sentei-me ainda


soprando em meu saxofone. Havia uma satisfação juvenil, de forma


não declarada, em fazer com que todos testemunhassem o quanto eu


estava feliz e apaixonado. Depois coloquei o sax num canto da mesa.


Vovó levantou a cabeça para mim. A princípio pensei ter visto um


olhar reprovador, mas depois seus lábios se contraíram: "Será que


hoje ela está de bom humor?", pensei em meu íntimo.


- Esta sua namorada reacendeu-lhe o ânimo, não é mesmo,


Caio, querido? - observou mamãe.


- Incendiou, mamãe. Incendiou minha alma... - respondi,


feliz com o comentário de mamãe.


- Hum... - resmungou ela, olhando para mim e depois para


vovó:


- Agora temos um poeta em casa, mamãe.


Vovó levantou a cabeça, olhou para mamãe, depois para


mim, os lábios repuxados num riso debochado:


- Essa menina pôs sua alma na fogueira! - comentou,


sarcástica.


- Mamãe! - protestou minha mãe.


Houve uma pequena pausa. Coloquei uma torrada na boca e


comecei a mastigá-la em seco.


- Quando vou conhecer a sua namoradinha. Caio? -


indagou minha mãe. Não entendi bem o porquê da pergunta. Estaria


ela zombando dos meus sentimentos, com a palavra "namorada"


empregada no diminutivo? Deduzi que, talvez, mamãe estivesse advogando minha causa frente à relutância de vovó. E eu não estava


errado. Vovó antecipou-se à minha resposta:


- Um dia talvez... se o rapaz tiver coragem de trazê-la a esta


casa.


- Por que, mamãe?


- Porque tenho certeza que foi ela quem lhe deu aquele


disco mundano, cuja música ele passa o dia inteiro a cantar igual um


mocho.


- Que despropósito essa sua comparação, mamãe! Quanta


implicância com o menino! - exclamou minha mãe, exasperada.


Vovó não se rendeu à reclamação de mamãe:


- Passa o dia soprando músicas mundanas em um


instrumento destinado a louvar a Deus.


Baixei a cabeça e fiz de conta que não ouvira nada.

Chuva De NovembroOnde histórias criam vida. Descubra agora