No ano seguinte, em 1982, minha mãe adoeceu. Sentia dores
nas costas e febres intermitentes. Depois de uma série de exames, o
médico deu a sentença: leucemia.
A peso de drogas, transfusões e quimioterapias mamãe ainda
haveria de resistir alguns anos. Para isso, era imprescindível que ela
também desejasse viver. E isso era algo que ela já não desejava, pelo
menos com a força que a situação exigia. Mamãe entregou-se à
morte. Foi conivente com essa sombra da vida; dir-se-ia que a
desejava em segredo. Sete meses depois do diagnóstico da doença,
mamãe morreu. Era o mês de dezembro. Faltava uma semana para o
Natal. Morreu no hospital, na madrugada de sexta para sábado.
Morreu só. Completamente só. Pela manhã, fui chamado ao hospital.
O médico que a havia acompanhado na fase terminal, após um
circunlóquio e palavras vazias que preenchem as frases que são ditas
nestas circunstâncias, me deu a triste notícia.
A mais vívida lembrança que tenho dela remonta ao seu
último dia em casa, no inicio de dezembro. Pela manhã ela tinha
sofrido uma hemorragia nasal, mas o fluxo foi estancado. Depois ela
adormecera e eu deixei o quarto. Em tomo das três da tarde, Maria
me informou que mamãe tinha acordado e que me pedia para que
subisse ao seu quarto. Subi e me sentei à beira da cama. Ela me
considerou com um sorriso nos lábios. Mas era um sorriso tenso, e o
olhar tinha um brilho nostálgico, de quem sacia antecipadamente a
saudade que virá. Sorri para ela.
- Como está? - indaguei-lhe com carinho.
- Melhor... - murmurou forçando um sorriso, depois
acrescentou:
- Quero lhe dar algo, meu filho...
- O quê?
- Algo que eu já deveria ter lhe dado há muito tempo.
- Sim.
- Ah, Caio, quantos erros cometemos durante a vida?
Quantos! Eu não sei exatamente o que acontece com a gente, mas
forças estranhas nos arrastam de um lado para o outro sem que nem
mesmo saibamos o que está acontecendo à nossa volta... Vê você?...
O meu menino... tão crescido. Já é um homem... Contudo, sei que
não o amei o quanto deveria amar... e você me lembra tanto seu pai...
os traços, olhos, boca, cabelos e a generosidade também. Sim, Caio,
meu filho, seu pai era um homem generoso e sensível. Jamais foi
capaz de qualquer brutalidade, ou de qualquer ato de agressividade.