Capitulo 16

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No ano seguinte, em 1982, minha mãe adoeceu. Sentia dores


nas costas e febres intermitentes. Depois de uma série de exames, o


médico deu a sentença: leucemia.


A peso de drogas, transfusões e quimioterapias mamãe ainda


haveria de resistir alguns anos. Para isso, era imprescindível que ela


também desejasse viver. E isso era algo que ela já não desejava, pelo


menos com a força que a situação exigia. Mamãe entregou-se à


morte. Foi conivente com essa sombra da vida; dir-se-ia que a


desejava em segredo. Sete meses depois do diagnóstico da doença,


mamãe morreu. Era o mês de dezembro. Faltava uma semana para o


Natal. Morreu no hospital, na madrugada de sexta para sábado.


Morreu só. Completamente só. Pela manhã, fui chamado ao hospital.


O médico que a havia acompanhado na fase terminal, após um


circunlóquio e palavras vazias que preenchem as frases que são ditas


nestas circunstâncias, me deu a triste notícia.


A mais vívida lembrança que tenho dela remonta ao seu


último dia em casa, no inicio de dezembro. Pela manhã ela tinha


sofrido uma hemorragia nasal, mas o fluxo foi estancado. Depois ela


adormecera e eu deixei o quarto. Em tomo das três da tarde, Maria


me informou que mamãe tinha acordado e que me pedia para que


subisse ao seu quarto. Subi e me sentei à beira da cama. Ela me


considerou com um sorriso nos lábios. Mas era um sorriso tenso, e o


olhar tinha um brilho nostálgico, de quem sacia antecipadamente a


saudade que virá. Sorri para ela.


- Como está? - indaguei-lhe com carinho.


- Melhor... - murmurou forçando um sorriso, depois


acrescentou:


- Quero lhe dar algo, meu filho...


- O quê?


- Algo que eu já deveria ter lhe dado há muito tempo.
- Sim.


- Ah, Caio, quantos erros cometemos durante a vida?


Quantos! Eu não sei exatamente o que acontece com a gente, mas


forças estranhas nos arrastam de um lado para o outro sem que nem


mesmo saibamos o que está acontecendo à nossa volta... Vê você?...


O meu menino... tão crescido. Já é um homem... Contudo, sei que


não o amei o quanto deveria amar... e você me lembra tanto seu pai...


os traços, olhos, boca, cabelos e a generosidade também. Sim, Caio,


meu filho, seu pai era um homem generoso e sensível. Jamais foi


capaz de qualquer brutalidade, ou de qualquer ato de agressividade.

Chuva De NovembroOnde histórias criam vida. Descubra agora