Foi uma quinta-feira terrível. Não pude ir à casa de Caressa.
Minha avó participaria de uma reunião do conselho administrativo da
empresa, de modo que ocuparia o motorista até à noite. A simples
idéia de estar privado da presença de Caressa, mesmo que fosse por
um único dia, provocava-me uma incontrolável agonia. A síndrome
de abstinência se tornou ainda mais pungente em tomo de nove horas
da noite. Julguei enlouquecer de desejo. Minha vontade era de sair
correndo em direção à casa dela e só descansar em seus braços. Mas
superei as longas horas de sofrimento e, creio eu, dormi por volta das
onze da noite. Chegou a sexta-feira. Sexta-feira prenhe de maus
presságios e do mal. A noite, ao chegar à casa dela, encontrei sua
mãe no portão. Estava agitada. Dona Solange estava pálida, trêmula.
Explicou-me o motivo de tanta angústia:
- Oh, Caio, ainda bem que você chegou.Eu estava mesmo
ansiosa para vê-lo.Você não sabe o que aconteceu... Ontem, dei pelo
desaparecimento de uma peça de roupa de Caressa... Não sei como
isso pôde acontecer. Eu tomo tanto cuidado!
Até então eu não havia entendido nada. Sorri, consolador e
disse-lhe:
- Para que se martirizar por uma peça de roupa? Não se
preocupe com isso. Depois se compra outra!
- Ah, Caio, meu generoso Caio, você não entendeu... - a
mulher olhou para a porta da sala da casa da irmã de Elimar,
cochichou: - Sumiu uma peça íntima de Caressa!
Eu sorri enrubescido, perguntei:
- E daí?
- Você ainda não entendeu o motivo da minha
aflição...Tenho medo de que esses aí façam mal à minha filha!
Sorri incrédulo ante a superstição da mulher.
- Não haverão de fazer-lhe nada. Fique calma, dona
Solange.
Caressa está?
-- Oh, me desculpe, o estou retendo com os meus pavores
enquanto sua namorada espera por você... Aliás, hoje ela está
incrivelmente geniosa. Venha! Vamos descer. A pobrezinha está
assustada, também não é para menos... Veja o que essa gente cruel
está planejando para esta noite... - acrescentou, cochichando quase
que com a boca fechada: - Vão sacrificar o bichinho!
Ela se referia a um bode preto que se encontrava amarrado à
porta da sombria casinha. O animalzinho estava voltado para o fundo
do quintal e, ao voltar-se para o meu lado, se pôs a berrar num timbre
de dor e medo.