Naquela noite, retornei para casa tentando imaginar a
dimensão do sentimento daquele homem por aquela garota. Havia
tanta sinceridade em sua narrativa e tanta intensidade e pureza em
seus sentimentos que sua expressão não saía da minha cabeça.
No outro dia, assim que encontrei Caio Graco, entendi o que
ele quisera dizer na noite anterior. Ele tinha revisitado toda sua triste
história durante aquela noite. O efeito de suas lembranças sobre seu
espírito foi devastador. Estava abatido, abaixo de seus olhos se viam
sombras escuras. O cansaço pesava em cada traço de seu rosto.
Liguei o gravador. Ele começou:
- O ano iniciou de maneira maravilhosa. Ficávamos o dia
todo juntos. Descíamos e subíamos a serra com tanta naturalidade
que o percurso parecia não passar de mil metros. Era como atravessar
a rua e caminhar duas quadras. Quando estávamos em casa, Caressa
passava quase que todo o dia na piscina. Se eu recusasse a fazer-lhe
companhia, ela se punha a gritar o meu nome precedido pela palavra
professor. Era o seu jeito de tentar me irritar. Quando eu exibia o
rosto na janela, ela acenava, sorrindo:
- Vem, Caio. A água esta deliciosa. Você não está sentindo
calor? - dizia ela.
Então eu não resistia ao seu chamado, aos seus gestos, e
momentos depois, eu também mergulhava na piscina.
Caio voltou-se na direção da janela com a expressão de quem
vê algo que é impossível ser visto por mim
- Você ouviu? - perguntou.
- Não.
- Eu a ouvi. Ela me chama o tempo todo...
Depois de uma longa pausa, Caio continuou:
- O meu paraíso terrestre perdurou ainda por mais de trinta
dias. Depois os sonhos se desvaneceram...
Era a segunda quinzena de fevereiro. Caressa me pediu para
ii ver a mãe. Eu a levei. Se soubesse o que o destino nos reservava eu
ii leria levado para muito longe dali. Eu a teria levado para uma ilhota
desabitada, distante da civilização e da própria humanidade.
Como sempre, ela desceu uma quadra antes e foi só. A
verdade é que eu tinha maus pressentimentos e medo daquela mulher
i|iie eu nem mesmo conhecia. Talvez, temesse que ela não permitisse
que continuássemos o nosso relacionamento. Era um medo irracional,
inexplicável, mas legítimo. Era um medo que nascia no fundo de
minha alma.
Caressa retomou eufórica.
- Caio, você não vai acreditar! - disse, após um suspiro.