Beatriz.
A sensação que eu tenho é que meu mundo inteiro desmoronou sobre a minha cabeça, sinto uma dor no peito tão forte que se espalha pelo meu corpo todo, nao tem uma parte minha que não doa, meu corpo ta dormente e minha mente não para.
Desde que eu me entendo por gente que eu consigo entender os perigos que corre quem entra no crime, entendo e tenho consciência que eles saem e podem não voltar, como costumo ouvir de muitas pessoas, o crime só tem dois caminhos, a morte e a cadeia.
Eu pensei que entendia que só existiam dois caminhos, até ver meu pai indo por um deles, eu achei que eu estaria de alguma forma conformada de que isso poderia acontecer a qualquer momento, por que preparada eu nunca estaria, mas não, me enganei, eu não estava conformada poderia perder o meu pai, o meu amor
eu não estava conformada que teria que lidar com essa dor tão grande que me sufoca, não estou conformada que a partir de hoje vou ter que viver em mundo sem o meu herói, herói que nem sempre fazia as melhores escolhas, que não levava uma vida certinha, mas que me ensinou tanto sobre a vida e cuidou de mim com tanto amor, não consigo enxergar um passo a frente sem o meu pai, não sei olhar pra essa casa, pra minha mãe, pra Giovanna, e ver que não teremos mais ele aqui com a gente
não consigo não ter lembranças da minha infância, das vezes que ele me levava no parquinho aqui do morro, ou em festa do dia das crianças que ele proporcionava pras crianças daqui e iríamos todos, não consigo não pensar nas tardes de sorvete que eram de lei ter toda semana, por mais ocupado que ele tivesse, sempre tirava um tempo pra mim e pra Giovanna - como posso resumir meu pai a um corpo abandonado em uma casa qualquer desse morro, sem vida. Como posso resumir o homem que me deu tanto amor, que me criou sempre tentando me ensinar o melhor, para que segundo como ele mesmo dizia, eu não fosse como ele.
Mas o que ninguém sabe é que o Paulo bandido, o traficante sempre ficou da porta pra fora da nossa casa,esse Paulo ele nunca deixou que transparecesse pra mimAgora o Paulo que me ensinou tantas coisas boas, o Paulo que fazia questão de me enaltecer, de me proteger, de cuidar de mim e de me ensinar o justo, esse, é esse que eu perdi hoje, o mesmo que sempre me tratou como uma princesa, que aceitou minhas escolhas, por mais que ele não quisesse aquilo pra mim só pra não me machucar, aquele que abraçou meu filho com tanto amor, que cuidou de nós e nos protegeu, como eu posso me despedir desse Paulo, como eu posso deixar que esse possa ir pra não voltar mais. É inevitável não sentir essa dor, não sentir vontade de ir junto com ele, é impossível não tentar achar motivos que justifiquem o fato de alguém ter vontade de fazer isso com ele, eu sei, que o Paulo traficante é odiado pela polícia, também coleciona inimigos, sei que era rodeado de inveja e de falsos amigos, mas mesmo sabendo tudo isso eu não consigo, não posso entender que arrancaram ele de mim.
Dói tanto aqui dentro do meu coração, que minha vontade é de arrancar pra ver se melhora essa dor.
Quando cheguei aqui na casa da minha mãe, e ela me disse que também estava com uma sensação ruim, eu confesso que o medo tomou conta de mim, por um momento eu me senti apavorada, porque apesar de já ter passado por isso tantas vezes, eu nunca havia sentido nada parecido e tão angustiante como dessa vez, e mesmo assim não consegui imaginar que essa sensação seria um aviso de que algo tão ruim iria acontecer com o meu paizinho. meu pai sempre demonstrou muita força, sempre nos demonstrou ser um homem invencível, incapaz de ser derrubado por alguém, e foi assim que eu sempre o enxerguei, agora tô aqui, tentando lidar com esse buraco no meu peito, esse vazio que parece que nunca vai passar.