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Wednesday

O tique taque do relógio em algum momento me irritou, não posso dizer quando, mas isso aconteceu. A caneta batucava contra o bloco de anotações conforme a senhora Jones me contava como encontrou o seu marido cheirando a uma puta barata, o seu desespero era realmente de dar dó, por isso acabei empurrando uma caixa de lenços para que secasse suas lágrimas, ou qualquer outra coisa que saísse por suas aberturas aparentes.

Cocei a minha têmpora e olhei para o relógio de pulso, sabendo que teria mais quinze minutos com ela após analisar os ponteiros, fugir então, não era uma opção.

- Há algo que sente falta no casamento, senhora Jones? - indaguei, tentando de verdade me interessar por sua frustração, afinal, eu era uma psicóloga, e esse era o meu trabalho.

- Sexo, de fato falta muito sexo.

Céus, ela começaria a falar sobre aquilo sem parar, e realmente foi dito e feito, o assunto sobre brinquedos sexuais, posições e ejaculações se perdurou pelo os quinze minutos restantes da sua consulta, a qual passou até que rápido, comparada a consulta da semana passada, que passou do tempo, mas a qual fiquei com dó de alertar, pois o seu estado de...não aceitação a traição foi gigante.

E o que eu poderia fazer, dizer o óbvio? Oras, peça um divórcio? Não, eu não poderia. Geralmente nesses casos o paciente procura apenas quem o escute e que acaricie o seu ego, mostrando que é boa o suficiente, deixando toda a culpa na amante.

Pois é, incrivelmente, o santo do marido, nunca, nunca é culpado por nada, mas sim, é tudo culpa da piranha que pagou um boquete para o homem que misteriosamente abaixou o zíper e colocou o pau de fora.

Como tudo é ridiculamente irônico

- Até semana que vem, senhora Jones, aplique o que eu disse, a lei da conversa entre você e seu marido, está bem?

- Obrigada, Wednesday, eu tentarei fazer isso, desculpe por usar todos os seus lenços

- Tudo bem, sem problemas

Fechei a porta do meu consultório e respirei fundo, me permiti pegar mais um copo de café, quase errando a dosagem de açúcar, mas me sentindo satisfeita com a doçura. Sentei em minha cadeira e observei a paisagem de prédios e edifícios a minha frente, o ar tão poluído que chegava a ser nítido sobre os meus olhos, as buzinas eram altas, mesmo o meu consultório sendo no décimo primeiro andar.

Era tudo tão cinza e chato, que sempre me fazia cogitar a possibilidade de desistir daquilo, daquela carreira e daquela cidade e ir plantar tomates no interior, tendo um porco como meu melhor amigo se necessário, qualquer coisa que me tirasse daquele sufoco cotidiano e um tanto quanto entediante.

Pisquei assim que meu telefone tocou, deixei o pequeno copo descartável de cafeina ao lado, vesti minha máscara de boa médica e torci para não ser a senhora Jones novamente.

E não era.

- Consultório de psicologia, doutora Wednesday Addams falando - falei, sem ânimo e sem emoções na voz, mas tudo que ganhei foi um silêncio para falar a verdade, eu conseguia ouvir a breve respiração do outro lado da linha - Alô, tem alguém ai? - reforcei e esperei, senti e ouvi a respiração falhar, me dando a certeza que tinha alguém ali - Ei? Olha, eu vou desligar...

- Sim...tem alguém aqui - uma voz feminina de pronunciou, fracamente, quase sem força alguma.

- Sim? - indaguei.

- Eu...eu... - eu sentia a dificuldade em sua fala, era como se sua língua pesasse ou algo semelhante, a impedindo de seguir adiante - Eu queria marcar uma consulta - falou, de uma vez e em um fôlego só - Meu amigo terapeuta me disse que...você é boa...então..

- Pode me informar o nome do seu amigo terapeuta?

- É...era..o doutor Miller...Benjamin Miller...

- Terapeuta para pessoas pós traumáticas?

- Uhum...

- Me desculpe, mas eu não trabalho com pós traumáticos - disse, pronta para desligar, mas o suspiro pesado e cansado do outro lado da minha linha, me fez ficar.

- Ele me disse que...você era boa...eu já estou a um tempo tentando achar e ele me disse que você era uma boa indicação então, eu pensei em ligar e tentar...me desculpe...

A sua voz, algo em sua voz me fez sentir um peso de rejeita-la, nega-la e não ajuda-la, não era a voz de uma esposa que ganhou um par de chifres, ou uma mãe que tinha um filho adolescente apodrecendo dentro do quarto viciado em LOL e salgadinhos de queijos. Para falar a verdade, era uma voz completamente cansada, mas me parecia nova, nova demais para ter aquela voz tão robotizada, eu era psicóloga, o meu dever era ajudar alguém.

- Tudo bem - suspirei, olhando para minha agenda - Podemos marcar uma consulta teste, o que acha?

- Pode ser...

- Diga-me seu nome por favor, tentarei te encaixar no meio da semana.

- Enid, eu me chamo Enid Sinclair.

- Certo, Enid, acha que consegue vir na quarta-feira, as onze? Sem atraso?

- Sim...eu consigo...quarta, as onze...sem atraso

- Doutor Miller te passou meu endereço?

- Uhum...

- Então te espero aqui, quarta, as onze.

- Tudo bem...

- Até.

- Até.

Coloquei meu telefone no gancho novamente, o encarando e pensando no que havia acabado de fazer, aceitar paciente pós traumático não era minha praia, acho que pelo medo de tais histórias, mas ao mesmo tempo, ela parecia precisar muito de ajuda, apenas pela sua entonação vocal, eu poderia sufocar o meu medo em algum lugar dentro de mim, eu tinha que sufocar meu medo em algum lugar e deixar que aquilo acontecesse.

Tirei meus tênis assim que pisei dentro de casa, o silêncio me deixava surda e me fazia ouvir alguns zumbidos dentro do meu ouvido, mas eu ignorei, já estava acostumada. Deixei que uma lasanha pronta esquentasse em meu micro-ondas, compenetrada em escolher o que assistiria naquela noite, vagando por documentários criminais e achando um do meu interesse.

Me joguei no sofá e em pouco tempo sorri quando escutei o barulho da coleira já conhecida, recebendo Nero em meu sofá, deixando que o cachorro já de idade se aconchegasse perto de minhas pernas e do meu cobertor fino, voltando a concentração em minha lasanha e a Tv.

Pensei na ligação, mas deixei isso de lado, eu não deveria me preocupar, ela era apenas uma paciente, mais uma paciente.

The Psychologist - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora