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O tempo passou de uma forma que eu não esperava, rápido e sorrateiro por entre o meu relógio e entre todas as consultas daquela quarta-feira, sempre chegando perto das onze, mas nunca chegando de fato. Poderia mentir dizendo que tive uma noite tranquila de sono, mas não, não tive, a insônia me perseguiu e minha ansiedade apenas aumentou quando cheguei em meu consultório.

Me perguntava o porque ansiava tanto por aquela paciente? Talvez explorar o mundo pós traumático poderia ser uma boa resposta, se não soasse rude o suficiente para isso. Foi até fácil as consultas anteriores, lidar com os clientes e os seus problemas melodramáticos, eu parecia pronta para aquilo, de uma forma que a muito tempo não sentia.

Dez e cinquenta e nove eu estava encarando a porta, meu relógio me alertou, onze horas, duas batidas singelas e suave se fez presente. Realmente pontual, se fosse ela claro. Me levantei e abri a porta, e mesmos sabendo das normas em nunca julgar um paciente, tive que fazer isso, pelo menos no primeiro instante, foi algo rápido, pelo menos na minha cabeça foi rápido.

Os trajes espojados, um conjunto de moletom amarelo, mostrando suave uma camisa branca por debaixo de seu moletom, um pouco maior do que a peça que a cobria, tênis, all star também amarelos, canos longos, subindo meus olhos até o seu rosto.

Seus olhos...eram mortos, tão mortos que me matou um pouco por dentro, foquei na cor azul, me lembrava um pouco um esverdeado se olhando na luz, mas ainda sim, mortos, sua pele era tão branca que eu poderia compara-la com um papel, mas séria um pouco exagerado, porem o que se sobressaltou ali, além de seu cabelo loiro com mechas azuis e rosas, foi uma cicatriz na qual tinha em sua bochecha esquerda.

Pegava em sua mandíbula e subia até o meio de sua bochecha, então era bem perceptível de qualquer forma, e quando percebeu que eu encarava aquele pequeno detalhe, fez a questão de levantar a sua mão, a qual estava escondida sobre a manga do seu moletom, tampando a cicatriz para que eu não a visse, então imediatamente mudei o percurso dos meus olhos. A encarando finalmente, dentro de seus olhos.

- Enid? - assentiu - Vem, entre-se, fique a vontade.

Dei passagem para que ela seguisse, depois de me olhar de uma forma quase judicial, ela deu alguns passos, me fazendo fechar a porta atrás de si, me sentei em minha poltrona e indiquei o sofá a minha frente, como se...estivesse desconfiada de algo ela veio, se sentou um pouco a ponta, mas se sentou, me encarando e logo desviando o olhar. Suas mãos passavam por suas pernas, como se secasse as palmas, inúmeras vezes, incansavelmente, observando ao redor cada detalhe, mas logo abaixando os seus olhos mais uma vez.

- Bom, Enid, como isso é uma consulta teste, hoje quero apenas te conhecer esta bem? Me conte quem você é, no seu tempo - comecei, abrindo discretamente meu bloco de notas, mas ela percebeu meu movimento minimalista, e eu não sabia se aquilo era bom, ou ruim.

Ela permaneceu em silêncio por mais alguns segundos, esses quais pareciam horas, mas eu aguardei, até que ela se remexeu em seu lugar, procurando dentro de si algum conforto na minha presença.

- O que quer saber? - sussurrou, mantendo os seus olhos em seus pés, que remexiam sobre o tapete.

- O que quiser contar.

- Acho que é por isso q ir não da certo pra mim...essa mania insuportável de vocês psicólogos e terapeutas deixarem que a gente tome a frente da consulta. Não deveria ser o contrário? Não são vocês os médicos? - eu sentia magoa em sua voz conforme falava isso, e de verdade, a sua questão me deixou sem algumas respostas rápidas, sem um pensamento rápido.

- Você quer que eu guie a consulta? - deu de ombros, não me encarando - Tudo bem, podemos fazer do seu jeito.

"Incapaz de tomar uma iniciação, parece desconfortável em tomar a frente de um diálogo".

The Psychologist - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora