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Enid não questionou em nenhum segundo conforme eu a levava sobre a pequena colina um pouco mais afastada do centro da cidade, subindo e subindo até o topo, assim como um dia eu fiz quando era mais nova, ou na minha adolescência, parecia que o ar nunca mudava, muito menos a sensação de ser livre a cada segundo que o vento batia em meu rosto, me dando o ar que um dia eu perdi em meio a livros e problemas dos outros.

Mau percebendo que...as vezes eu também tinha alguns problemas, pra falar a verdade, eu sempre tinha problemas, mas apenas preferia escutar os outros, por ser mais fácil, mais simples e menos doloroso. Mas sempre, sempre era mais doloroso.

Eu parei assim que chegamos no topo, olhando toda a vista de Nova York, conseguíamos ver um pouco da praia de Manhattan, mesmo com o clima um pouco desfavorável, as nuvens impedindo que o sol refletisse sobre a água, então lhe dando um ar um pouco cinza e sem vida, mas de qualquer forma, eu achava bonito, não precisava ser colorido para ser lindo, as vezes, o cinza, branco e preto, era tão lindo quanto a maior paletas de cores vivas que poderia existir, mas talvez, as pessoas ainda não pensassem dessa forma.

- Uau... - Enid resfolegou ao meu lado, observando cada canto da tela criada pela humanidade, sua beleza e sua ruína - É lindo...

- Um pouco sem cor, mas lindo...

- Eu gosto de coisas sem cores, são mais simples e combinam com tudo - sorri, me sentando na grama um pouco úmida pela a leve geada que havia tido mais cedo, mas não me importando com isso, e aparentemente, Enid também não se importava, pois havia se sentado ao meu lado - Não conhecia esse lugar.

- Pois agora conhece. Essa colina era o meu refúgio quando eu era mais nova, fazia um tempo que não vinha aqui...mas...nada mudou, tudo ainda é muito lindo e muito jovem.

- O seu refúgio natural é lindo - ela disse, sussurrando, não querendo que eu escutasse, mas eu escutei, escutei e acabei sorrindo com tal comentário pequeno e sem intenção alguma, ficando feliz em poder agrada-la de alguma forma - Um dia eu te mostro o meu.

- Ficarei ansiosa por esse dia, tenha certeza.

Ficamos em silêncio, apenas apreciando a vista que era nos dada gratuitamente, sem nenhum medo ou nervosismo em ter qualquer diálogo, não era necessário, afinal, o vento conversava por nós, sem dificuldade ou vergonha, uivando por todo céu, balançando as poucas folhas que havia em árvores distantes e secas, apenas desenhando as ondas um pouco mais bravamente, mostrando-nos o poder da natureza sobre qualquer pedaço seu por direito, e podendo exibir o quão lindo era.

- Algumas pessoas tem a visão errada sobre quem sofre algum tipo de problema mental - Enid falou, distraída em remexer a grama na sua frente, com o queixo apoiado em seus joelhos, me parecendo tão vulneráveis em seus pensamentos - Como se...pudéssemos surtar ou enlouquecer a qualquer momento, com qualquer coisa, mas...não é assim que funciona...

- E como funciona pra você?

- É como...uma onda... - disse, olhando para o mar mais a frente - Você consegue ver? No fundo, ela cresce, de uma forma assustadora, como se pudesse engolir qualquer um, a qualquer momento, mas assim que chega na metade, ela vai diminuindo...diminuindo...até que quando está na beirada, é apenas um rastro de água sobre a areia. É como se eu pudesse ser má com alguém, fazer coisas erradas, mas então isso diminui, até que no final apenas resta...uma sensação que eu não gosto...como se eu não pudesse fazer nada, ser nada, não conseguir nada sendo assim, todos os dias...

- E o que você faz para que essa onda dentro de você diminua?

- Eu choro...eu choro muito. Ou apenas fecho os olhos e penso que...um dia, tudo isso pode passar, que um dia eu vou poder ser alguém, alguém legal.

- Você acredita se eu falasse que você é uma pessoa legal? - ela parou de remexer a grama, virando o seu rosto pra mim, com um pouco de dúvida em minha fala, dei um sorriso para tentar convence-la - Bom, eu te acho uma pessoa legal.

- Diz isso pra me deixar feliz, esse é o seu trabalho.

- Esse é o meu trabalho quando estou em meu consultório, não estou em meu consultório agora.

- Por que me acha legal? Nunca fiz nada legal pra você.

- Não precisa fazer algo para alguém pra que essa pessoa te ache legal. Eu acho legal a forma que cuida do seu sobrinho, ou apenas a forma que escuta quando estou falando, eu acho legal e gosto da forma que me olha e da forma que presta atenção em mim quando estamos em uma conversa. E também acho legal e inteligente as suas metáforas de comparação.

- Eu acho seus olhos legais.

Me perdi no raciocínio e no que eu falava quando ela soltou aquilo, sem mais nem menos, voltando a olhar pra frente, me deixando levemente intacta e perdida, sentindo a mesma coisa que senti alguns instantes mais cedo, a forma em que o meu corpo queimou, subindo e subindo, fazendo o meu rosto ferver, deixando apenas um formigamento em minhas bochechas, e uma vontade enorme de sorrir, mas eu não fiz isso, de jeito nenhum faria isso.

- E também acho legal a forma que as suas bochechas ficam vermelhas, é fofo.

- Acho que estou com vergonha - murmurei, um pouco óbvia e levemente divertida, vi de uma forma deslumbrada, assim que ela deu um sorriso, me olhando novamente.

- Ficou com vergonha porque eu disse que os seus olhos são legais? Não deveria ficar com vergonha de algo tão óbvio igual a esse.

- Não recebo muitos elogios - falei um pouco sem jeito - Pra falar a verdade, nunca recebi um elogio.

- As pessoas não sabem enxergar a beleza diante dos seus olhos, e isso é uma pena. Porém, eu sei.

- Eu acho isso bom. A beleza é peculiar.

- Por que a minha beleza é peculiar?

- Oras, qual a graça dos meus olhos? - eu ri, verdadeiramente, não colocando nenhum ponto positivo sobre aquilo, mas Enid não sorriu, pelo contrário, se arrumou e me encarou de verdade, como se pudesse ler a minha mente, apenas com os seus olhos.

- Os seus olhos são verdadeiros e expressivos, eles me mostram quando você gosta de algo ou quando desgosta de algo, quando se sente satisfeita ou insatisfeita, quando está com dúvida, quando quer sorrir mas não o faz, os seus olhos sorri por você, e eu sempre achei lindo os olhos que sorriem, é a forma mais pura de uma felicidade simples que alguém pode sentir. Me mostrando que você, sente felicidade com as coisas simples da vida, como essa paisagem, ou como um pequeno elogio.

Enid concluiu sua fala colocando uma pequena flor que havia arrancado da grama em algum momento, atrás da minha orelha, sobre os meus fios, me observando calorosamente e deixando que o vento frio, se tornasse quente em questões de segundos, fazendo o meu coração acelerar e as minhas mãos soarem como nunca acontecido antes.

Desta vez, eu deixei que o meu sorriso aparecesse sobre os meus lábios, mesmo que timidamente, e parece que aquele pequeno artefato, a faz feliz, pois também acabei ganhando o seu sorriso, e o dos seus olhos.

E se para ter o seu sorriso eu precisasse sorrir também, eu o faria aquilo sem reclamar.

The Psychologist - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora