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Caminhamos em silêncio por uma pequena trilha em um parque, não muito longe da sorveteria em que estávamos minutos mais cedo. Enid se manteve calada, olhando unicamente para o chão e mesmo eu sabendo que caso iniciasse qualquer conversa, ela continuaria, mas desta vez eu não fiz isso, esperei que ela tomasse o rumo, a encorajando em ser sociável e não deixar que os outros fossem sociáveis por ela em questão.

Mesmo que o silêncio fosse um pouco desconfortável, eu poderia lidar com isso, afinal, isso era o que mais havia em minha vida, silencioso desconfortáveis, algumas gargantas pigarreando, esse era o meu trabalho no entanto.

- Você acha que eu posso ficar bem de novo? - dei um sorriso quase eufórico quando ela perguntou, e mesmo que sua pergunta fosse um pouco triste, não deixou de ser o início de uma conversa.

- Sim, eu acho. Mas pra isso você precisa me contar o que te deixou assim.

- Em algum momento você ja me achou estranha?

- Você quer uma resposta profissional ou uma resposta informal?

- Informal.

- Eu não te achei estranha quando te vi, mas fiquei um pouco curiosa e intrigada com o seu jeito. Isso varia muito, desde pacientes falantes, a paciente calados que meio que estão ali por obrigação médica ou parental. Já você, pode ser considerada um pouco dos dois, quieta caso não puxem assunto com você, mas falante caso te dão a oportunidade de falar.

- Isso é bom ou ruim?

- Pra falar a verdade, isso é ótimo, me da a visibilidade perfeita que eu queria ter de você.

Enid se calou, voltando para o seu mundo de pensamentos ambulantes, aonde ela era a protagonista e aonde ela mesma resolvia seus problemas, e eu decidi não atrapalha-la, apenas caminhando conforme o vento gelado acariciava o meu rosto, deixando que os meus fios voassem um pouco contra a minha pele, me causando cócegas. Dei uma baixa risada perante aquilo, percebendo apenas depois que Enid me encarava, o que me fez desmanchar o sorriso e voltar a focar no caminho.

E minha mudança repentina de humor a fez dar uma risada nasalada, ali eu entendi que não obteria muitas risadas vindo dela, a não ser daquela pequena forma. Nos sentamos em um banco o qual nos dava a visão para um lago, provavelmente congelado, o frio que fazia naquela semana era quase surreal, mas ainda sim eu gostava, talvez a sensação de aconchego que chegava junto a chuva e a neve fossem os meus favoritos, não demarcados ainda, mas bons, pelo menos a mim.

Olhei para Enid rapidamente, em busca de inquietude ou algo parecido, mas me parecia bem, apenas olhando a paisagem, sem muita importância, sem muita presa, sem muito objetivo.

- Sempre quis ser psicóloga?

- Pra falar a verdade não, isso surgiu na minha adolescência. Antes disso eu queria ser professora, delegada, médica, veterinária, pra falar a verdade eu sempre quis ser tudo. E você? Tem algo na qual goste? - esperei até que ela pensasse à respeito, maneou um pouco com a cabeça e deu um suspiro, o qual eu achei um pouco longo demais.

- Eu queria ser fotógrafa. Mas isso ja faz tempo.

- E por qual motivo não levou isso pra frente?

- Muitas coisas...algumas pessoas...

- Sua irmã?

- Meu pai.

Ela disse, sem mais nem menos, apenas soltou, me deixando sem fala durante alguns segundos, durante muitos segundos, minutos, apenas por não saber o que completar a partir daquilo, odiando o fato de não ter nada a dizer e deixando o ambiente um pouco pesado, com o clima levemente sobrecarregado. Engoli seco e pensei, pensei qualquer coisa, mas nada vinha, absolutamente nada vinha.

- Eu...sinto muito... - murmurei por fim, me reprimindo no mesmo segundo, essa frase era insignificante na vida de uma pessoa que precisava de ajuda, pra falar a verdade, essa frase é o que mais irrita uma pessoa na qual precisa de ajuda - Acha que um dia se sentirá bem em conversar sobre esse assunto?

- Quem sabe, é complicado.

- Eu sei, eu sei que é complicado, mas quanto mais rápidos matarmos o monstro dentro do armário, mais rápido conseguimos pegar no sono novamente.

- Muito boa essa sua metáfora - ela disse, verdadeiramente surpresa conforme assentia olhando para mim novamente, pareceu um pouco pensativa, e isso me deixou intimidada, pois ela pensava com seus olhos nos meus, no fundo dos meus, eu não desviei, mas ainda sim, a forma que o meu corpo começou a ferver, desde da ponta do meu pé, subindo e subindo até o meu rosto, se concentrando unicamente em minhas bochechas, me deixou desconcertada.

Enid piscou, pareceu voltar para o mundo real, me olhou de verdade, notou provavelmente a coloração vermelha em minha pele, deu um meio sorriso e desviou o olhar para frente novamente, me deixando sem fôlego, sem reação e até mesmo sem forças para qualquer coisa. Me forcei em desviar o olhar juntamente, ignorando tudo aquilo que havia acabado de acontecer, da forma que o meu corpo havia queimado e paralisado sobre os seus olhos inertes em pensamentos.

- Quando somos crianças temos essa mania de acharmos que podemos ser tudo. Uma vez eu pensei que poderia voar.

- Toda criança já quis voar - sorri verdadeiramente - E eu não acho que seja tão impossível assim.

- Acha que consegue voar?

- Bom, não...mas acho que consigo ter essa sensação, a sensação de liberdade.

- Como?

- Quer que eu te mostre? - Enid pensou um pouco e deu uma meia assentida, claramente desconfiada, eu ri sobre a sua feição levemente assustada - Vem, me siga.

Eu me levantei, arrumei meu casaco e apenas sai andando, ouvi Enid caminhar logo atrás e fiquei feliz com a sua mera confiança sobre mim, ja era um grande começo sobre apenas me seguir a cegas, sem ter a certeza de aonde iríamos e de aonde eu a levaria. As minhas bochechas aos poucos pararam de queimar, e logo me senti um pouco mais confiante sobre a sua presença. Pra falar a verdade sempre me senti confiante sobre a sua presença, mas pela primeira vez, envergonhada por algum motivo que eu nunca irei saber de faro.

Lembrando que 'nunca' era uma palavra muito forte, e que não existia no vocabulário mental dos seres humanos.

The Psychologist - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora