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Tranquei a porta principal assim que chegamos em casa, não era mais uma grande supresa sobre o silêncio, pra falar a verdade era, ja que a casa sempre estava repleta das cantigas  de Benjamin, suas cantorias, seus diálogos presentes e persistentes junto a televisão, ganhando o mundo apenas quando tirava o seu cochilo da tarde. Acho que Isabel pensou um pouco na minha sanidade mental, deixando pra lá a ideia de coloca-lo em uma creche ou contratar uma babá.

Eu estava disponível vinte e quatro horas por dia, eu poderia fazer aquilo, poderia ajuda-la de alguma forma além de gastos e preocupações sobre a minha saúde psicológica. E de verdade, estar na companhia daquele pequeno, era muito bom e confortável para mim.

Eu não era a melhor pessoa com crianças, mas com ele, eu era, ou eu tentava ser uma tia legal e cuidadosa, nunca roubando o papel principal de Isabel, que quando chegava do trabalho se direcionava a cem por cento a ele, então eu apenas fazia o nosso jantar, ou as vezes navegando no notebook, lendo um livro, passeando pela minha câmera fotográfica, raras as vezes essa ultima parte. Só tentava...não ser um peso maior do que eu já era pra minha irmã mais velha...

Coloquei Benjamin em seu berço assim que garanti o seu sono profundo, deixando a porta do seu quarto entreaberta, descendo as escadas e me adiantando em fazer algo, qualquer coisa para ocupar a minha mente, lavar a louça, organizar os armários, eu fazia aquilo com frequência, muita frequência, arrumar tudo por ordem alfabética, ou por cor, por tamanho, me sentindo verdadeiramente sufocada quando via fora do lugar, as vezes me contendo e não arrumando.

Depois de receber algumas reclamações amigáveis de Isabel, dizendo que eu deveria controlar um pouco aquela mania, mas eu só...não conseguia, era maior que eu. Me deixando tão mau quanto as pessoas que olhavam por fora.

Mordi o lábio inferior algumas vezes, muitas vezes, cocei a nuca e respirei fundo, fechei os olhos e fiz minhas mãos pararem de tremer, tentei pensar e controlar, mas o impulso era tão forte que as vezes não parecia eu, ao menos tempo que eu tentava deter aquela mania, percebi que já a colocava em prática, isso as vezes doía, doía la dentro, só eu sentia, e como eu queria que fosse simples um 'Pare de se mexer assim, pare de mexer nas coisas até que elas estiverem retas e alinhadas, pare de organizar, é só parar, por que você não para?'.

Por que eu não consigo...eu só não consigo parar...

Medi de novo a caixa de cereal, a vermelha era um pouco mais alta do que a verde, mas não combinava, as cores simplesmente não combinavam, como poderia ficar lado a lado no armário? Eu já havia pedido a Isabel que compre as caixas vermelhas e laranjas, tem o mesmo, o mesmo preço, só mudam a cor de distrair as crianças, por favor, traga as vermelhas e laranjas...mas ela nunca trazia, me dizia que aquele era o melhor jeito de combater a minha mania...mas não...não era.

Mordi as paredes da minha bochecha, me abaixei e peguei recipientes de vidros, aquilo era melhor, mas bonito, mais organizado, despejei todo cereal em cada recipiente, mas parei assim que percebi que havia diferenças, alguns flocos eram maiores que os outros, pisquei, me contive, fechei os olhos de novo, neguei, tampei os recipientes e os coloquei de volta no armário, fingindo que não havia visto a diferença gritante.

Eu não me importo com isso, não fará diferença alguma na minha vida. Lavar a louça, é isso que devo fazer agora, nada de cereais, nada de flocos de cereais. Limpei toda a mesa, que usávamos para tomar café, almoçar e jantar, coloquei o vaso de tulipas em seu centro, bati as mãos em minha coxa, respirei fundo, assistir TV era uma boa ideia e foi o que eu fiz. Me sentei no sofá e alcancei o controle, passei por alguns canais, mas nada me prendia de verdade.

Engoli seco e respirei fortemente, joguei o controle contra o fofo do assento e voltei até a cozinha, tirei os recipientes do armário e espalhei os flocos de cereais sobre a bancada limpa da cozinha, deixando os maiores em um recipiente e os menores no outro. Finalmente.

- Enid, estou em...o que está fazendo?

- Eu pedi...pedi para que comprasse a caixa laranja e não a verde...você comprou a verde, Isabel...

- Enid, pare com isso.

- Por que não comprou a caixa laranja? - murmurei, separando floco por floco.

- Enid, ja chega, pare de fazer isso. É ridículo!

- Se você tivesse comprado a caixa laranja eu não estaria fazendo isso. Era só ter comprado a caixa laranja, verde não combina com vermelho, você sabe.

- Vai pro seu quarto. Agora, Enid. Vou ligar para sua psicóloga, isso já está passando dos limites.

Isabel me empurrou até o meu quarto, fechou a porta e a trancou pelo o lado de fora, encostei a cabeça contra a madeira e deixei que os meus olhos reproduzissem as lágrimas, soluçando pra mim mesma, fechando os meus olhos com cada vez mais força, eu não queria ser assim...eu não queria ter problemas...eu não queria que Isabel me odiasse...eu só tinha a ela...eu não queria deixa-la irritada...eu só não queria ser um fardo...eu só queria ajudar...

- Enid? - a voz de Wednesday se pronunciou contra o telefone quando minha irmã o entregou a mim, fechando a porta e provavelmente me esperando no corredor, eu funguei - Enid, o que aconteceu?

- Nada.

- Nada? Então por que está chorando?

- Não estou chorando - murmurei.

- Sim, você está. Quer me contar o que aconteceu?

- A Isabel...não comprou a caixa de cereais laranja, e sim a verde, ela sabe que verde e vermelho não combinam, verde e vermelho não combinam no armário, é esquisito as cores lado a lado...

- Certo... - ela permaneceu em silêncio, eu também - Já tentou deixa-las longe umas das outras?

- Não, não faz sentido. Cereais a direita, pães a esquerda, não tem como ficarem separadas. Então eu as coloquei em um recipiente de vidro, mas...uns são maiores que os outros, ainda fica esquisito...então eu só tentei resolver, separar os menores dos maiores, mas Isa não me deixa fazer isso...

- Você está ficando nervosa, se acalme. Inspire e expire comigo. Vamos lá - ouvi ela inspirar do outro lado da linha e fiz o mesmo, acompanhando o momento que expeliu, fiz igual, muitas vezes, até que o meu coração pareceu voltar a bater de forma certa, deixei que meus olhos se abrissem - Melhor agora?

- Melhor agora...

- Qual é o seu sorvete favorito? - ela perguntou, aleatoriamente, eu pensei um pouco.

- De morango, eu gosto.

- Olha só, o meu também é o de morango, temos algo em comum. E se tomarmos sorvete amanhã, as três? Eu, você e o Benjamin, o que acha?

- Eu...eu acho legal.

- Mas pra isso, preciso que ignore os cereais, está bem? Acha que consegue fazer isso?

- Não, eu não consigo - sussurrei, verdadeiramente.

- Vamos fazer um jogo. Todas as vezes que sentir vontade de ir verificar os cereais, irá escrever um filme que gosta muito, quero ver quantos filmes de terror você já teve coragem de assistir.

- Muitos.

- Veremos isso amanhã. Combinado?

- Combinado.

- Então até amanhã, Enid.

- Até amanhã, Wednesday.

Ok...sem cerais...sem cereais...acho melhor pegar uma folha e começar a anotar alguns filmes. Acho que muitos filmes.








Nesse capitulo tenta mostrar como um pouco como é o dia a dia de uma pessoa que adquire distúrbios TOC ou Transtorno obsessivo-compulsivo, aonde Enid enfrentou um pouco dos pensamentos e das necessidades sobre o seu distúrbio.

Nessa Fanfic os problemas de saúde mentais serão retratados abertamente, como: Depressão, Ansiedade, Bipolaridade, TOC, automutilação, etc.

Peço que quem tenha gatilho a coisa assim e coisas assim, pulem os capítulos (os quais terão um aviso antes mesmo do capítulo começar) preservando à saúde mental de todos.

The Psychologist - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora